Gê de Lima encerra Parada Gay e lança clipe Textura com estética negra

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El final de La sobreviviente ficcionaliza esa renuncia a la posesión individual del texto y en este sentido, una vez más, Laura Medina funciona como alter ego que elige su destino de pérdida identitaria. Acervos de escritores e o descentramento da história da literatura.

Um mundo que o descartou, por contingência e crueldade. De forma mais precisa, foi a busca da oferta de uma resposta positiva para o questionamento de Lejeune acerca da existência de um texto que possuísse a característica citada acima que impulsionou Serge Doubrovsky para a criação do romance Fils, tido como a primeira obra autoficcional. Recentemente, em dois artigos publicados no Estado de S. Rio de Janeiro: Record, 2002. Ele era uma pessoa reclusa, solitária e completamente isolada do mundo físico. Antes de passar a este exercício de escuta, gostaria de fazer dois comentários. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.

Esse fetiche pode ter um fundamento não obsessivo, em uma estrutura de flexibilidade que tome consciência da sua função enquanto parte de um todo que visa o ser-mais do homem ser-mais conforme problematizado em Paulo Freire. O sangue recaindo sobre seus ombros. Y entre ambas tramas un puente ficcional que permite entrever los entretelones del proceso escritural. A autoficção surge aqui enquanto suporte possível para a edificação de um exame crítico que aciona o humor como forma ácida de leitura de aspectos da vida pública.

Sobre o autor - Série Iconografia — Subsérie Quadros.

Resumo: O presente ensaio busca examinar a construção do conceito de autoficção enquanto uma espécie de sintoma da diluição das fronteiras entre o público e o privado. Além disso, o ensaio também tem como objetivo observar que a autoficção, enquanto experimento literário, permite a construção de uma lúcida representação política da contemporaneidade, conforme demonstra a obra de Ricardo Lísias. Palavras-chave: autoficção; contemporaneidade; Ricardo Lísias. Abstract: This essay seeks to examine the construction of the concept of autofiction as a kind of manifestation of the blurring of boundaries between the public and private sectors. In addition, the essay also aims at observing how autofiction as a literary experiment allows the construction of a lucid political representation of contemporaneity as evidenced in the work of Ricardo Lísias. Keywords: self-fiction; contemporaneity; Ricardo Lísias. O tempo transcorrido e, sobretudo, as transformações políticas das últimas décadas, o novo traçado mundial e o desdobramento incessante das tecnologias, que foi além de qualquer previsão, transformaram definitivamente o sentido clássico do público e do privado na modernidade a ponto de essa distinção se tornar frequentemente indecidível. Leonor Arfuch, O espaço biográfico. Na contemporaneidade, as fronteiras entre o público e o privado têm se tornado cada vez mais fluidas e fugidias. Tal assertiva não é minha, ela habita o senso comum e pode ser entreouvida aos quatro cantos, sendo revestida por uma certa aura de verdade unívoca e espelhamento de um sintoma próprio daquilo que se convencionou nomear como pós-modernidade. A construção da imagem de um cotidiano marcado pela incessante quebra e vazamento desses limites provoca de forma imediata a busca por novos modelos de compreensão dos arranjos sociais que favoreceram o fenômeno e, por outra perspectiva, resultaram dele. Contudo, talvez a expressão que melhor sintetize o fenômeno não seja o rompimento e a invasão das outrora rígidas fronteiras entre público e o privado, e, sim, a definição de uma possível inversão destes dois espaços. Em outras palavras, o termo pode ser empregado para nomear os atos de evasão de intimidade. É possível aplicar o termo cunhado por Lacan e ressignificado por Serge para analisar não apenas o reality show em questão, como também um amplo elenco de produtos culturais contemporâneos, que começa nas inúmeras redes sociais virtuais e alcança as modernas câmeras digitais que possibilitam a captura instantânea de flashes do cotidiano. Nos três exemplos citados a extimidade é performatizada devido ao reconhecimento do outro, cuja atuação é fundamental na validação da vida exposta e para a própria alimentação do desejo de apresentar a intimidade. Nas palavras do próprio Serge Tisseron: Para validar minha percepção de mim, autentificar o que mostro, tenho justamente necessidade do outro. E quando me desvelo, ele se desvela por sua vez. O desejo de extimidade é inseparável da busca relacional. Sua valorização está organizando novas regras sociais, que não são mais perigosas que as precedentes. Apenas devemos aprender a conhecê-las Tisseron apud Figueiredo, 2012, p. É na reivindicação do outro que se fixa o gesto primeiro deste desejo de expor a intimidade. Não se trata de um exibicionismo, mas de uma formulação consciente do que será exposto a outrem, na qual se determina qual a identidade que será oferecida e esta é reconstruída pelo outro que a recebe e a desvela. A oferta da imagem de uma nova relação entre público e privado na abertura de meu ensaio é útil para compreendermos uma espécie de sintoma da produção literária contemporânea, a autoficção. Claro está que a construção do neologismo autoficção não está relacionada de modo claro e objetivo ao cenário apresentado anteriormente, afinal são outras a contingências que impulsionam a edificação do conceito. No entanto, é possível localizar traços de extimidade para recuperar o conceito de Serge Tisseron, na elaboração do termo autoficção, proporcionando uma nova leitura da questão. Antes de iniciar tal protocolo de leitura, é necessário narrar como o conceito de autoficção foi construído e quais seriam os seus elementos constituintes. Podemos afirmar que foi Serge Doubrovsky o criador não apenas do termo, como também do primeiro romance considerado autoficcional. A narrativa é conhecida, mas isso não nos impede de apresentar essa história: a ideia de criação de um texto que apresentasse a convergência de identidade entre autor, personagem e narrador surgiu para Doubrovsky a partir da leitura que realizou do estudo de Philipe Lejeune sobre textos autobiográficos. De forma mais precisa, foi a busca da oferta de uma resposta positiva para o questionamento de Lejeune acerca da existência de um texto que possuísse a característica citada acima que impulsionou Serge Doubrovsky para a criação do romance Fils, tido como a primeira obra autoficcional. Com a publicação do romance, o autor não apenas oferece a Phillipe Lejeune a oportunidade de lidar com um novo objeto de estudo — um romance que apresenta em sua estrutura uma identidade entre autor, narrador e personagem — como também inaugura um conceito crítico. Na oferta desta singular definição para o conceito, é perceptível uma certa imprecisão, que é construída em oposição a conceitos basilares da teoria literária, que passam a ser visitados com o desejo de propor um novo arranjo que permita a convergência de estruturas anteriormente antagônicas e não associáveis. Não se trata de uma negação a esses conceitos, a intenção é edificar um difícil espaço fronteiriço, delimitado a partir do acionamento de determinados pactos de leitura que desvirtuam alguns modelos de interpretação da escrita ficcional. O resultado dessa operação crítica é a tentativa de acentuar o caráter inédito da proposta construída por Doubrovsky e oferecer os contornos de um possível novo gênero literário. Afinal, ao propormos um exame crítico sobre a autoficção, além de acompanharmos o processo de elaboração de um conceito, estamos igualmente observando a formação de um gênero literário, conforme sublinhou Jean-Louis Jeannelle, no ensaio A quantas anda a reflexão sobre a autoficção? Por estarmos diante do nascimento de um gênero, estamos igualmente diante de um terreno a ser construído e consolidado, seja em uma perspectiva normativa ou descritiva. E será Philippe Lejeune um personagem fundamental nesse processo, ao propor a escrita da trajetória da autoficção em texto apresentado num colóquio realizado na Universidade de Nanterre, no ano de 1992. O texto de Lejeune apresenta a estrutura de uma peça teatral dividida em cinco atos que aludem a datas fundadoras da autoficção. A antecipação saudada por Jovita Gerheim repousa na observação de que Lejeune identificou uma possível fragilidade na estrutura normativa oferecida por Doubrovsky. Tal fragilidade permite que seja problematizada a própria concepção de gênero proposta pelo criador do neologismo. Pois, seguindo os passos de Doubrovsky, a autoficção é a convergência de identidade entre autor, personagem e narrador. Como poderia ela englobar sob um mesmo nome os que prometem dizer toda a verdade como Doubrovsky e os que se entregam livremente à invenção? Uma possível fuga dessa querela conceitual seria assumir de modo claro e objetivo que a autoficção é um gênero próprio da pós-modernidade, conforme leitura realizada pelo próprio Doubrovsky, segundo nos informa Eurídice Figueiredo a partir das contribuições de Philippe Vilain: A autoficção, tal como concebida por Doubrovsky, seria uma variante pós-moderna da autobiografia na medida em que ela não acredita mais numa verdade literal, numa referência indubitável, num discurso histórico coerente e se sabe reconstrução arbitrária e literária de fragmentos esparsos da memória Figueiredo, 2012, p. Se a inventiva criação conceitual de Doubrovsky pode ser saudada como uma espécie de marca sintomática da pós-modernidade, a que forma fixa ela busca se opor e produzir alguma forma de ressignificação senão à matriz dos textos biográficos que marcam a modernidade e o apogeu da noção de sujeito? Claro está que tal equação assume a feição de uma leitura evolutiva e, principalmente, baseada em uma teoria dos reflexos, que pode ser resumida em uma pequena sentença: na modernidade temos a autobiografia e para a pós-modernidade localizamos a autoficção. O binarismo da análise também oferece certa rigidez, que pode denotar a estruturação de um quadro fixo que coloca em lados diametralmente opostos a autobiografia e a autoficção. Contudo, ainda que ciente da precariedade de tal exercício comparativo, faz-se necessário observar que a emergência de textos autoficcionais — por problematizarem a noção de verdade e colocam em xeque a autoridade do discurso autotélico — dialoga de forma direta com as novas configurações do sujeito contemporâneo, cindido em sua identidade fragmentada e contraditória. Se um dos elementos normativos de um texto autoficcional é a intenção explícita de promover uma convergência entre as identidades do autor, personagem e narrador, o escritor paulistano Ricardo Lísias é por excelência um dos mais profícuos nomes desse gênero literário pós-moderno. Ao menos dois de seus romances oferecem tal homonímia, sem falar em uma série de contos assinados pelo autor que igualmente traz em seu bojo tal característica. Trata-se do único título inédito no volume de contos Concentra ção e outros, lançado pelo autor em 2015. Na abertura do conto, o narrador nos oferece uma nota no mínimo inusitada: O começo dessa história é conhecido: no final do ano passado, em um manifesto quase incompreensível divulgado pelo Facebook, Ricardo Lísias anunciou que desistia de escrever para, por fim, dedicar-se às artes plásticas. O golpe publicitário funcionou e, cinco dias depois, a Galeria Fortes Vilaça, em uma exposição que durou apenas três horas, vendeu oito dos dozes trabalhos que Lísias apresentou Lísias, 2015, p. De imediato, no início do conto, nos é apresentado um importante índice exploratório da narrativa. Refiro-me à forma depreciativa com que o narrador retrata o personagem Ricardo Lísias, classificando seu gesto de abandono da literatura e ingresso no mundo das artes como um golpe publicitário. O tom empregado pelo narrador é próprio de uma linguagem jornalística que relata os episódios a partir de um ponto de vista parcial que não se exime de emitir julgamentos e conduzir os leitores em um terreno formado por uma única versão. Tal aspecto é importante, pois transforma o conto em um verdadeiro pastiche de um texto jornalístico que aciona Lísias como personagem para a elaboração de um perfil. A estrutura da narrativa é simples e dotada de um humor peculiar ao promover uma leitura irônica de uma matéria jornalística que investiga o fato de Ricardo Lísias ter abandonado a literatura após ganhar uma grande quantia com a venda de suas obras em uma galeria de São Paulo e se refugiar em Berna, capital da Suíça. É esse sujeito indefinido, que somente próximo ao término conseguimos identificar como uma mulher, que conduz os leitores na apresentação de um perfil de Ricardo Lísias, buscando desvelar as reais motivações do autor ao deixar o campo literário e passar a atuar nas artes plásticas. Se em um primeiro momento já somos advertidos de que a ação de Ricardo Lísias foi um golpe publicitário, resta compreender o funcionamento desse golpe. Diversas versões são oferecidas. Dois dados tornam o percurso investigativo ainda mais nebuloso: o primeiro é o fato de que os nomes dos compradores dos trabalhos de Lísias serem mantidos em segredo e o segundo é a ausência de informações sobre os valores arrecadados pela venda das obras. No entanto, a dose de maior ironia está dirigida não ao universo dos críticos de arte ou ao mercado de arte contemporânea, mas sim ao espaço restrito do meio literário. Pois, segundo nos relata o conto, apenas os visitantes da exposição, em sua maioria de pessoas ligadas ao mercado editorial e literário brasileiro, conheceram as obras de Ricardo Lísias, da qual só consta a existência de um único registro fotográfico de autoria de um visitante. De forma sucinta e com um humor peculiar, o autor problematiza diferentes campos da produção artística, examinando as suas relações com o mercado financeiro, oferecendo uma perspectiva crítica para observar o lugar da arte contemporânea, retratado como um setor destinado às grandes transações financeiras que possibilita o trânsito de alguns milhões, e o mercado literário, representado como um meio marcado pela falta de recursos e por sordidez. Além disso, o autor também recupera o debate sobre a aura da obra de arte em um contexto pós-aurático ao oferecer a percepção do personagem que busca preservar as imagens das obras, acreditando que elas irão se converter na própria obra caso ocorra o desaparecimento do trabalho original. A breve descrição das obras é um interessante campo de investigação teórica acerca dos limites da autorrepresentação. Ao colocar em evidência a convergência entre dois campos de experimentação artística específicos, a saber a literatura e as artes plásticas, nos é oferecido como resultado a própria incompletude da obra. Mesmo que em diálogo, as intervenções plásticas e o texto literário não acomodam uma imagem precisa e clara do próprio autor. Afinal, a texto datilografado por cima do rosto de Lísias não é identificado e a colagem dos mais variados tipos de papel propõe uma biografia imprecisa para o autor. Importa também observar um dado de grande relevância oferecido pelo narrador, as imagens não estão em perfeita qualidade, impedindo a obtenção de uma leitura legítima das obras. Em outras palavras, Ricardo Lísias também investe na estruturação de um importante debate acerca da verdade, resultando na apresentação de duas perspectivas. Primeiro alimentando a narração de uma reportagem jornalística assumidamente investigativa e, em segundo lugar, na constante problematização acerca da real existência de uma verdade a ser localizada. É nessa clave que temos que nos colocar diante do texto de Lísias, lendo-o a partir dessa única verdade plausível e concreta: trata-se de um texto assinado por Ricardo Lísias. Tal constatação é simples, mas guarda uma importante abertura interpretativa que permite a construção de um protocolo de leitura próprio para os textos do autor e proporciona uma nova análise da presença de determinados pactos autoficcionais no conjunto da obra de Ricardo Lísias. Para tornar mais clara a proposta aqui engendrada, é possível equacioná-la na forma de uma questão: quais são os efeitos esperados por Ricardo Lísias no constante uso da homonímia entre escritor, personagem e narrador em seus romances e contos? Antes de propor esse protocolo de leitura, torna-se rentável apresentar os outros textos do autor que visitam o complexo terreno da chamada autoficção. O romance apresenta como protagonista um especialista em coleções que abandonou o hobby e passou a atuar como uma espécie de consultor de colecionadores, com as funções de avaliar coleções e orientar os iniciantes na prática. Alguns elementos permitem nomear e classificar O céu dos suicidas enquanto um texto de autoficção, o mais patente é localizado na página 119, no trecho em que narra a chegada do personagem ao Líbano. Em busca de informações sobre a origem de sua família, o narrador localiza um arquiteto que provavelmente seja um primo distante e vai ao encontro deste em um café: Acordei com fome no meio da tarde. Antes de pedir um lanche, fui olhar os e-mails. Minha irmã mandava outro número de telefone e o arquiteto me pedia para procurá-lo no celular. Eu não via clima para badalação, mas aceitei. Logo avistei meu parente. Por trás de uma mesa, ele acenou e depois me chamou pelo nome: Ricardo Lísias Lísias, 2012, p. A ausência de um romance que apresentasse em sua estrutura uma identidade de nomes entre autor, narrador e personagem, identificada por Phillipe Lejeune, na primeira edição de seu estudo O pacto autobiográfico, é novamente preenchida aqui, agora não mais por Serge Doubrovsky, mas, sim, por Ricardo Lísias. Não há como não se chocar com a presença do nome do autor enquanto forma de nomeação do personagem-narrador do romance. A presença do nome do autor cria uma fissura no tecido narrativo e produz um efeito de estranhamento que o lança a uma espécie de fronteira interpretativa. Trata-se, é claro, de um jogo no qual o próprio autor coordena e orienta as suas investidas no campo ficcional não apenas como sujeito autoral e produtor do discurso, mas, igualmente, como personagem e matéria da narrativa. O leitor é parte ativa desse jogo, sua leitura não é passiva e muito menos funciona apenas como um simples identificador das marcas biográficas do autor que corroboram para a classificação do romance enquanto um texto autoficcional. Resta ao leitor e à crítica construírem formas de compreensão dessas investidas e interrogar quais as ressonâncias desse ato de convergência entre duas formas em princípio antagônicas, a autobiográfica e a ficção. No entanto, se em O céu dos suicidas, Ricardo Lísias havia provocado certo estranhamento ao construir como protagonista um personagem homônimo, o ápice desse experimento autoficcional será apresentado no romance Divórcio, publicado em 2013. Posso afirmar sem erro que o primeiro impulso de todo e qualquer leitor que se debruça sobre o livro de Lísias é o desejo de um mergulho no cotidiano privado ao autor e adentrar no relato do fim do casamento dele. Pois, o divórcio apresentado no título é o divórcio de um personagem homônimo ao autor, que também é escritor e publicou os livros O céu dos suicidas e O livro dos mandarins, títulos idênticos aos assinados pelo escritor Ricardo Lísias. Atordoado com a descoberta, o personagem se separa da mulher e passa por uma violenta crise emocional que só é vencida com o uso quase terapêutico dos treinos de corrida, que culminam em uma participação na Corrida de São Silvestre. Esses dois elementos, a descoberta do diário e a descrição dos treinos de corrida, oferecem uma composição própria ao romance, que resulta em uma estrutura espiral — a cada novo quilômetro percorrido, um novo fragmento do diário é oferecido ao leitor. Para alcançar o fim do romance, o leitor terá que percorrer quinze capítulos, ou quilômetros, como o próprio autor nomeia as divisões internas da obra. O ato de concluir a prova representa não somente o desfecho do romance, mas igualmente a vitória sobre uma violenta crise depressiva que abalou o estado emocional do personagem. Diante do breve quadro apresentado — que tem como principal imagem a existência de um escritor que intencionalmente busca fundir sua identidade à do seu próprio personagem — creio que pude justificar de modo preciso a minha afirmação em relação aos leitores que percorreram as páginas do romance em busca de um relato acerca da vida íntima do escritor. No entanto, acredito que a adoção da autoficção como gênero e, principalmente, a proposta de criação de uma homonímia entre escritor, personagem e narrador, não obedece ao desejo de expor e narrar aspectos da vida íntima do escritor. Ricardo Lísias não promove ou realiza nenhum gesto de extimidade ao construir uma narrativa que apresenta pactos autoficcionais. O efeito alcançando — para responder à pergunta oferecida anteriormente — é justamente a problematização do lugar da literatura na sociedade contemporânea, a partir do debate acerca da autonomia da arte literária, e a caracterização da classe média, visitada de maneira ácida por meio da representação crítica dos profissionais jornalistas. De posse desse referencial de leitura do romance Divórcio, a trama autoficcional se torna secundária, ressoando apenas como um indício inusitado da estrutura da obra. Nessa perspectiva, posso afirmar que recebe um vulto mais expressivo o exame da classe média brasileira, retratada de forma cáustica, fator que faz emergir a dicção política do autor. Cito uma passagem particularmente esclarecedora dessa percepção: Ao encerrar o treinamento para a São Silvestre, já tinha percebido que na verdade minha ex-mulher é apenas uma versão malfeita e ansiosa da classe alta brasileira. Ela adora dizer que teve a infância pobre: subi na vida trabalhando Lísias, 2013, p. A passagem deixa claro que a estrutura do romance está situada em um terreno movediço. Torna-se quase impossível desvincular os aspectos biográficos do autor de sua representação de setores específicos da sociedade brasileira. Em outras palavras, o ataque à classe média, na passagem acima, parece se resumir a um ataque à ex-mulher. Ainda segundo a análise da crítica, alguns dos textos dessa possível primeira fase da carreira de Lísias — Cobertor de estrelas, Duas praças e O livro dos mandarins — apresentam um traço comum, pois são Textos tramados a partir do entrelaçamento de duas linhas narrativas, a escolha de temas políticos a questão dos sem teto, a referência à tortura e às ditaduras latino-americanas , a fala repetitiva e cortada por anacolutos, enfim, a escrita cuidadosamente trabalhada vai aparecer reiterada não apenas nos depoimentos do autor, mas também por outros comentários críticos sobre sua obra Azevedo, 2013, p. Os elementos elencados por Luciane de Azevedo podem ser facilmente identificados no romance O livro dos mandarins, que narra com um inegável humor e em tons caricaturais o empenho do personagem Paulo na conquista de uma promoção no banco em que trabalha que lhe renderá a oportunidade de transferência para a China. É nesse romance que a dicção política de Lísias recebe maior impulso e envergadura. Tenho consciência de que a expressão dicção política é vazia e imprecisa, não definindo de modo claro o exercício de representação construído pelo autor. Para melhor esclarecer esse traço característico da prosa de Lísias, posso esclarecer que sua dicção política está diametralmente oposta a uma instrumentalização ou engajamento explícito. Nessa perspectiva, o exame do competitivo mundo dos executivos das instituições bancárias é conduzido por um olhar crítico que oferece o humor como mecanismo de ataque, resultando numa representação irônica e ácida do mundo coorporativo e do capital financeiro. Atados ao cotidiano do personagem Paulo, conhecemos as engrenagens de um grande banco internacional. Mas tal conhecimento é superficial. Não é possível visitar a fundo os mecanismos de poder, algumas barreiras são impossíveis de serem transpostas. O próprio resultado da transferência de Paulo revela esse importante dado. A dicção política, para retomar o elemento-chave da prosa de Lísias, pode ser localizada no simples gesto do autor nomear todos os personagens do romance como Paulo, marcando a perda da identidade como um elemento intrínseco ao universo do mundo corporativo. A ironia é sutil e altamente corrosiva. A proposta de leitura que busco construir para a análise de Divórcio é baseada neste elemento citado anteriormente: a dicção política de Ricardo Lísias. Nessa perspectiva, pretendo oferecer um modelo de interpretação do romance que não percorra a igualmente instigante leitura dos mecanismos criados pelo autor para a criação de um espaço autoficcional no interior de sua obra. Nessa perspectiva, a crise depressiva causada pela descoberta dos diários proporciona a construção de uma nova compreensão dos fatos e dos eventos, por meio de um olhar desnudo, livre da idealização de um laço amoroso, torna-se possível alcançar um dado oculto. É possível afirmar que a leitura crítica do papel da imprensa tem como objetivo atingir sua ex-mulher, mas alcança toda uma classe profissional. Ela foi didática na explicação que me deu: você nunca vai entrar em uma redação sem ser indicado. Alguém ali te conhece ou foi atrás de informações sobre você. É o mesmo sistema com as fontes. Jornalismo é fontes, repetiu a frase que eu já tinha ouvido. Depois, se você precisa, ela te ajuda também. O jornalismo é uma rede p. No trecho torna-se possível alcançar a imagem exata que Ricardo Lísias busca oferecer para a sua caracterização da classe média brasileira, baseada em uma atuação que deseja alcançar benefícios próprios a todo custo, principalmente quando lida com a coisa pública. O individualismo aqui ressurge como elemento passível de crítica e traço danoso de uma categoria profissional, a saber, os jornalistas. Novamente, as críticas lançadas à ex-mulher confundem-se com as dirigidas aos jornalistas e vice-versa. A indistinção é um dado proposital, busca-se transformar em uma trama política as questões que foram primeiramente examinadas em uma esfera privada. No entanto, a denúncia não repousa na constatação de que o jornalismo é uma rede formada por troca de interesses individuais, denuncia-se a própria naturalidade com que a rede é formada e mantida. O jogo de interesse revela a existência de uma trama promíscua: Uns poucos anos antes de me dizer que queria ficar comigo para sempre, minha ex-mulher contou para uma porção de gente, rindo do jeito meigo e ao mesmo tempo espalhafatoso dela, que estava tendo um caso com o secretário de Cultura de São Paulo não sei se o velhote ainda ocupa o cargo, não vou conferir. Claro que ele é casado. Outro caso foi com o dono de um cinema que depois ela colocou na capa do jornal. No jornalismo, aprendi, pessoas que dão informações privilegiadas chamam-se fontes p. Trata-se de uma leitura comentada do livro, semelhante a um processo de revisão da própria obra. No entanto, se há uma inesperada quebra da estrutura da narrativa, revelada pelo acionamento de uma nova voz do narrador, que agora passa a comentar trechos e elementos pregressos da narrativa, o capítulo também é assumidamente didático e tem como função organizar a estrutura do livro, definindo os elementos que o próprio narrador julga importantes e os aspectos excedentes e suplementares. Somos então orientados pelo narrador a problematizar a forma como a classe média é apresentada no romance: Hoje, acho que outro defeito de Divórcio é a caracterização da classe média várias vezes citada no livro. É um conceito difícil porque com certeza não serve para todas as pessoas na mesma situação social. Em alguns momentos, coloca a classe alta junto. No entanto, a dicção política do autor não é acionada apenas para tematizar o Outro. Por um acaso o Ricardo foi para alguma guerra na África? O que ele sabe da vida? Esses dois trechos abrem uma importante fresta de leitura. Ambos fragmentos apresentam de forma subjacente um questionamento sobre a relação entre experiência e narrar. Nos diários da ex-mulher está posta uma lúcida chave de interpretação do romance. De uma forma ou de outra, nos diários está dito que o Ricardo nunca viveu, ficou trancado a vida toda lendo, nunca foi a uma guerra, é um sujeito patético e um quase autista. Resta então questionar, sobre o que, afinal, o Ricardo pode escrever? Eu respondo, sobre o seu próprio divórcio, a única experiência traumática que de fato vivenciou. Não é uma guerra, mas pode ser um evento dotado de muita violência. Após esse breve percurso na obra autoficcional de Ricardo Lísias, podemos afirmar que a homonímia e o relato ficcional de episódios reais não são impulsionados pelo desejo do autor em tornar público aspectos e eventos de sua vida privada. A estrutura normativa proposta por Serge Doubrovsky está mantida, mas o resultado oferecido é potencialmente outro. A autoficção surge aqui enquanto suporte possível para a edificação de um exame crítico que aciona o humor como forma ácida de leitura de aspectos da vida pública. Seja enquanto conceito ou como um gênero próprio da pós-modernidade, a autoficção, principalmente a produzida por Ricardo Lísias, está em uma espécie de fronteira entre o público e o privado. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010. Ricardo Lísias: versões de autor. In: CHIARELLI, Stefania; DEALTRY, Giovanna e VIDAL, Paloma. O futuro pelo retrovisor: inquietudes da literatura brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco, 2013. Mulheres ao espelho: autobiografia, ficção e autoficção. A quantas anda a reflexão sobre autoficção? In: NORONHA, Jovita Maria Gerheim. Ensaios sobre a autoficção. Belo Horizonte: UFMG, 2015. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet. Belo Horizonte: UFMG, 2008. In: NORONHA, Jovita Maria Gerheim. Ensaios sobre a autoficção. Belo Horizonte: UFMG, 2015. Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica. Rio de Janeiro: 7Letras, 2012. O livro dos mandarins. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. O céu dos suicidas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. NORONHA, Jovita Maria Gerheim. Ensaios sobre a autoficção. Belo Horizonte: UFMG, 2015. NORONHA, Jovita Maria Gerheim. In: NORONHA, Jovita Maria Gerheim. Ensaios sobre a autoficção. Belo Horizonte: UFMG, 2015. Para uma melhor compreensão da questão, cito trabalhos que examinam a quebra das fronteiras entre o público e o privado e, principalmente, estudos que avaliam o impacto das novas redes sociais na produção dessa nova experiência de subjetividade que se coloca no espaço fronteiriço entre o público e o privado: DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997; SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008; LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio — ensaios sobre o individualismo contemporâneo. São Paulo: Manole, 2005, entre outros. O trecho citado foi traduzido por Eurídice Figueiredo, no livro Mulheres ao espelho: autobiografia, ficção, autoficção. Et quand je me dévoile, il se dévoile à son tour. Se a designação do personagem remete ao estranhamento que problematiza todas as relações ao longo da peça, ela também parece encenar a única possibilidade na constituição das linhas de força em que o homem pode formar uma comunidade possível. O objetivo desse artigo é pensar a formação dessas linhas em Koltès, refletindo sobre as deambulações desse homem que se move entre o risco do esfacelamento diante do estranhamento e o traço vacilante da comunidade. Palavras-chave: Koltès; comunidade; alteridade; subjetivação; teatro. If the name of the character refers to the strangeness that questions all the relationships in the play, it also seems to stage the only possibility in the constitution of the lines of force in which the man can form a possible community. This work intends to analyse the composition of these lines, thinking about the displacements of this man who moves between the risk of disintegration before the strangeness and the vacillating trace of the community. Keywords: Koltès; community; alterity; subjectivation; drama. O teatro contemporâneo francês apresenta uma enorme variedade de escritas dramatúrgicas. Na trilha de toda a problematização acerca da linguagem estabelecida por essa tradição é que tais autores desenvolverão suas dramaturgias. É isso que permite a esses autores realizar a ligação entre essa vanguarda e um teatro mais político, promovendo um encontro aludido por Barthes anos antes, em seus Ensaios críticos. Dessa forma, unindo uma extrema atenção ao uso da linguagem a uma preocupação com um campo de problemas em que se encontram questões como as relacionadas à alteridade e à comunidade, Koltès recupera o tema do descondicionamento aludido por Barthes. Ao abordar assuntos caros à parte importante do pensamento da segunda metade do século XX, Koltès acaba por produzir um teatro que não deixa de ser inventivo no plano formal e ao mesmo tempo potente do ponto de vista de sua força política. Tomemos o exemplo de uma de suas peças. Se a designação do personagem remete ao estranhamento que problematiza todas as relações ao longo da obra, ela também parece encenar a possibilidade de constituição das linhas de força através das quais o homem possa formar uma comunidade possível, na qual as singularidades se sobreponham aos indivíduos. As singularidades inscrevem-se, assim, em um sistema de partilha que marcam ao mesmo tempo a possibilidade e impossibilidade de suas existências. O que está em questão nesses comentários é a tentativa de distinção entre os princípios da comunidade dos seres-em-comum e o da sociedade dos indivíduos, responsável, ainda segundo Nancy, por uma atomização da vida que impede a própria constituição da comunidade. Formado por um extenso diálogo travado entre apenas dois personagens, o negociante e o cliente, esse texto pode ser lido como uma tentativa de se pensar as formações das linhas de força em que as singularidades se constituem sob a forma daquilo que Nancy nomeará como comparução. O inacabamento a que alude Koltès se dá, como podemos perceber, pelo desvio de um olhar que impede a realização do plano relacional em que o ser viria a se constituir por meio da comparu çã o. Embora de forma distinta, esse mesmo movimento também aparece em La nuit juste avant les forê ts. Destinado ao teatro, há de se observar nesse texto de Koltès um forte desejo de diálogo, no qual, paradoxalmente, ninguém responde àquele que fala, originando um discurso de ritmo alucinado em que o monólogo não cessa de ser obsedado por uma experiência de enunciação tensionada entre a troca e o isolamento, o oral e o escrito. Essa tensão pode ser percebida através de diversas estratégias, evidentes na própria materialidade textual. O curioso é que em La nuit, a pontuação parece corresponder antes a uma tentativa paradoxal de recuperar um sopro o mais próximo possível da fala através de signos gráficos. Koltès elimina todos os pontos finais — parágrafos ou não — entre as frases, criando um ritmo alucinante, cortado, entretanto, de tempos em tempos, por duas marcas tipográficas: o parêntese e o travessão. Os dois permitem ao autor a introdução de digressões que provocam variações rítmicas na monotonia de longos blocos contínuos de enunciação. Se os parênteses possibilitam a inserção de comentários mais breves, o travessão, em diversas ocasiões, parece abrir o discurso para novas direções, como em uma conversação mais livre em que os gestos e expressões facilitassem um acordo entre locutor e alocutário, sem necessidade de retomadas explícitas do que havia sido interrompido a cada novo desvio. Além destes, um outro uso importante é o que Koltès faz dos dois pontos, o qual, contrariamente ao travessão, parece centrar a atenção exclusivamente sobre o locutor. Em meio a essa designação genérica, os nomes próprios encontram-se ausentes, e mesmo aqueles conhecidos — mas não revelados —, não passam de artifícios para impedir a revelação do nome real. Diante desse silêncio, o alocutário termina por assumir a posição de um on, pronome que em francês opera entre a indeterminação e a coletividade, lançando o estrangeiro em um plano vacilante entre todo mundo e alguém. No caso do estrangeiro, a indeterminação indicada há pouco apresenta um duplo aspecto: ao mesmo tempo em que arrisca dissolver a formação das individualidades em consonância com o que diz Sarrazac em relação à Zuco, ela também opera como potência de um puro devir, permitindo as encarnações de singularidades no ato da comparução. Na comparução, encarnar e exencarnar não se opõem, mas dão, isto sim, conta desse movimento em que o próprio da voz não é uma voz exatamente própria, mas uma sonoridade inscrita entre as linhas da partilha em que emergem os seres uns em relação aos outros. Ou seja, nesse processo, as singularidades são aquilo que se dão existências umas as outras na medida mesma em que marcam seus limites. O estrangeiro, se se arrisca a cada movimento a perder-se na multidão anônima dos planos por que passa, é também aquele que pode destruí-los, forçando o real a novas configurações das linhas de suas coordenadas. Eis sua reação diante dos seres repentinamente perdidos, deambulando sem direção: onde ir agora, onde ir, eles se perguntam, como se, lá do alto, houvessem sido traçadas zonas sobre um plano onde eles devem estar todas as semanas, e cujas portas se abrem a cada sexta sobre a rua das putas ou o resto, e senão: onde ir, sem outra solução, e eu, eu assinalei, desde que não trabalho mais, toda a série de zonas que os safados traçaram para nós, sobre seus planos, e nos quais eles nos fecham com um traço a lápis Koltès, 1988, p. E se o estrangeiro não se sente jamais em casa nessa deambulação pelas zonas impostas, é a possibilidade do encontro que o mobiliza desde o primeiro momento do livro, gerando essa ambiguidade entre o desejo de andar e aquele do encontro. Em sua estranheza absoluta, a iminência de uma relação apresenta-se o tempo todo na peça, traçando o plano vacilante onde a comunidade pode ter alguma chance de existência. Como dito anteriormente, se por um lado o estrangeiro nos remete ao estranhamento que problematiza toda relação, por outro, ele parece representar a única possibilidade de um vir a ser. Seguindo essa afirmação, pode-se dizer que em Koltès, o estrangeiro é aquele que, por força de seus constantes deslocamentos, eleva ao máximo esse tensionamento entre as linhas de formação espacial de onde a comunidade pode emergir. É a figura de uma espera que encontramos tecida, espera entre a esperança do encontro e seu obstinado adiamento. O comentário é seguido por uma digressão abrupta, através da qual o estrangeiro se desloca em ritmo acelerado para o centro de uma outra história, desfazendo rapidamente a estabilidade da relação anunciada. De longe, eu teria acreditado que você me olhava. Eu teria me aproximado de você. Porém, contrariamente ao estrangeiro que funcionaria como esse ponto zero do encontro, os personagens de Dans la solitude chegam a definir suas singularidades, um em relação ao outro, sem, entretanto, a realizarem plenamente. Todavia, a questão a se colocar é se, como parece sugerir Bident, em Koltès seria possível pensar essa passagem entre a manutenção da comunidade enquanto questão à sua realização na figura do ser-em-comum. E é aí que talvez se encontre a maior diferença entre as formações das linhas que constroem o plano da comunidade em La nuit e em Dans la solitude. Nesta, o negociante diz em dado momento ao cliente: E se eu digo que você fez uma curva, e certamente você vai sustentar que era um desvio para me evitar, e eu afirmarei em resposta que foi um movimento para se aproximar, é porque, certamente, afinal de contas você não desviou, e toda linha reta existe apenas em relação a um plano, e nós nos movimentamos segundo dois planos distintos, e finalmente só existe o fato de que você me olhou e eu interceptei seu olhar ou o inverso, e, portanto, absoluta que ela era, a linha sobre a qual você se deslocava tornou-se relativa e complexa, nem reta nem curva, mas fatal Koltès, 1986, p. É a partir desse cruzamento de linhas que o cliente e o negociador têm alguma chance de existir, desfazendo a geografia das individualidades para inscrevê-las no plano tecido por essa linha fatal em que ambos inscrevem-se como ser-em-comum. A fatalidade aqui é o termo da relação através da qual um e outro se apresentam como a chance e o limite dessa mesma existência. Como nos diz Nancy, A articulação a partir da qual a comunidade se forma e se distribuí não é uma articulação orgânica …. Certamente, essa articulação é essencial para os seres singulares: estes são o que são na medida em que são articulados uns sobre os outros, na medida em que são repartidos e distribuídos ao longo de linhas de força, de clivagem, de torção, de acaso, etc. E essa condição significa, além disso, que esses seres singulares são, uns para os outros, fins Nancy, 1986, p. Voltando à questão de Bident, o problema é que se em Dans la solitude o plano da comunidade que daí adviria chega — ainda que com toda a dificuldade, como vimos — a se vislumbrar, o mesmo não parece se dar com os deslocamentos do personagem de La nuit. Problematizando essa possibilidade, o estrangeiro nos diz ao final da peça: corro, corro, corro, sonho com o canto secreto dos árabes entre eles, camaradas, eu te acho e seguro teu braço, desejo tanto um quarto e estou molhado, mama mama mama, não diga nada, não se mexa, eu te olho, eu te amo, camarada, camarada, eu, eu procurei alguém que fosse como um anjo no meio desse bordel, e aí está você, eu te amo, e o resto, cerveja, cerveja, e continuo sem saber como poderia dizer, que confusão, que bordel, camarada, e depois sempre a chuva, a chuva, a chuva, a chuva Koltès, 1988, p. Nesse desejo de diálogo — sempre sem resposta — em que a enunciação se faz entre a aceleração rítmica marcada pela falta de pontuação e a interrupção pela repetição dos termos, o estrangeiro se desloca entre o canto secreto dos camaradas árabes e um camarada, no singular. É o que se pode perceber também pela repetição final por que termina o texto, a qual parece apontar para essa falência que acaba por provocar novamente o desvio do olhar. Na procura pelo que não pode estar senão alhures, o estrangeiro volta a dispersar as linhas de força com as quais o plano da comunidade é quase traçado, mas nunca realizado. O que amas, então, extraordinário estrangeiro? Professor de Literatura Francesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro, realiza pesquisa na área de literatura francesa e literatura comparada, tendo publicado diversos artigos sobre literatura e processos de subjetivação e as relações entre literatura e história. In: Œuvres complètes II. Paris: Seuil, 2002a, p. In: Œuvres complètes IV. Paris: Seuil, 2002b, p. In: Œuvres Complètes I. Paris: Gallimard, collection Bibliothèque de la Pléiade, 1975, p. Retour sur la Comparution. In: Figures du dehors: autour de Jean-Luc Nancy. Nantes: Nouvelles Cécile Défaut, 2012. In: La littérature française au présent. Paris: Bordas, 2008, p. Paris: Les Éditions de Minuit, 2004. La nuit juste avant les forêts. Paris: Éditions Minuit, 1988. Dans la solitude des champs de coton. Paris: Éditions Minuit, 1986. Paris: Christian Bourgois, 1986, p. Sobre a fábula e o desvio. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013, p. Paris: Christian Bourgois, 1986, p. Dans la solitude des champs de coton foi publicada em 1987, mesmo ano em que foi criada e apresentada pela primeira vez, no teatro Nanterre-Amandiers. O fato de que em nenhuma das peças haja o uso de nomes próprios é relevante dessa tentativa de dissolução das individualidades em favor das singularidades. Pode-se dizer que a comparução diz respeito ao em-comum próprio à comunidade à qual estamos inapelavelmente expostos pelo simples fato de estarmos no mundo. É nesse sentido que o singular se opõe ao individual, pois diferentemente deste, aquele não pode ser pensado sem essa exposição dos seres entre si, os quais são, por essa razão, constituintes dessa comunidade ao mesmo tempo em que são constituídos por ela. Posted in , , As relações contemporâneas entre a atividade editorial e a difusão de textos Resumo: O presente trabalho busca discutir a atividade editorial na contemporaneidade, problematizando suas especificidades. Para isso, inicialmente faremos um apanhado teórico, passando por Barthes, Sennet, Guerreiro Ramos, Guy Debord e Feenberg, além de alguns autores que analisam especificamente o mercado editorial. Com as novas tecnologias, criam-se novas possibilidades de divulgação de textos, não necessariamente intermediadas pelos editores, e essa nova realidade pode alterar substancialmente o modo como os textos são divulgados. Palavras-chave: editor; atividade editorial; filosofia da tecnologia. Abstract: This work tries to analyze the publishing activity in the contemporaneity, discussing its specificities. With the new technologies, new text divulgation possibilities are created, not necessarily intermediated by editors, and this new reality can alter substantially the way texts are divulged. Keywords: publisher; publishing activity; philosophy of technology. Em uma cidade grandiosa, fazendo o elo cultural entre a Grécia e o Egito, objetivo central dela era obter uma cópia de cada texto jamais escrito Philips, 2010. A destruição da biblioteca durante o primeiro milênio da era cristã ganhou contornos míticos, havendo diversas narrativas disponíveis para esse evento histórico. Não obstante a narrativa eleita, a destruição é marca significativa da perda de textos antigos Philips, 2010. Essa imagem nos ilustra a questão de poder que envolve o campo do saber. Pensando sobre o processo de difusão do conhecimento relacionado à atividade editorial, iremos primeiramente buscar entender teoricamente o seu fundamento, e para isso escolhemos Barthes como ponto de partida. Segundo Barthes, não existe fruição em uma cultura de massa 1987, p. Ele opõe o texto de prazer ao texto de fruição: Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta talvez até um certo enfado , faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem p. O prazer é associal — só o lazer é social — o que reforça a necessidade de sua experiência individual. A linguagem fica comprometida no momento em que se repete. A fruição é justamente esse movimento de transgressão para frente. A fruição transgredindo a linguagem ou a repetição excessiva, a todo transe como músicas encantatórias, litanias, ritos etc. Em oposição, o texto-tagarelice recalca a fruição no estereótipo, caindo em uma repetição vergonhosa da linguagem, ápice da forma bastarda da cultura de massa. Essa possibilidade de romper com o ego aproxima o medo da fruição, em uma recusa da própria transgressão. Essa visão sobre a intransitividade do texto de fruição dialoga profundamente com a revisão no papel autoral defendida por Barthes e Foucault, dois ícones no movimento de morte autoral que ocorreu no século XX. Segundo Compagnon 2012 contemporaneamente é aceito um retorno amigável do autor, problematizado, não autoridade exclusiva para construção de sentido, mas com ele colaborando. Não obstante, Barthes e Foucault marcam uma mudança no paradigma de interpretação literária, quando o leitor passa a ser um agente central para a construção de sentido no texto. Com base nessa visão, Barthes nos coloca a questão: como ler a crítica? O crítico seria um leitor em segundo grau, tornando-se o seu voyeur, observando clandestinamente o prazer do outro, entrando na perversão. E o leitor da crítica seria um leitor em terceiro grau, em uma perversão que segue ad infinitum. A crítica versaria sempre sobre textos de prazer, jamais sobre textos de fruição, na medida em que textos de fruição só dialogariam entre si. Pensando sobre a atividade editorial, nessa linha o que moveria o editor seria um fetiche, fetiche de obter prazer no prazer alheio, de orquestrá-lo, de escolher cada pequeno elemento da construção do livro-objeto, desde a sua própria possiblidade de existir até a gramatura do papel onde ele tomará forma. Esse fetiche se aplicaria tanto ao editor- publisher, responsável pelo catálogo de uma editora, quanto ao editor-gerente, responsável pela atividade de produção de um livro. Em ambas as situações o fetiche da orquestração se mostra presente como centro da atuação do editor. É importante destacar que o fetiche é aqui entendido como um modo específico de obtenção de prazer, não necessariamente tendo uma carga ética negativa. Esse fetiche pode ter um fundamento não obsessivo, em uma estrutura de flexibilidade que tome consciência da sua função enquanto parte de um todo que visa o ser-mais do homem ser-mais conforme problematizado em Paulo Freire. Isso teria uma maior tendência de ocorrer, por exemplo, em editoras com um fim filantrópico ou educativo como as editoras universitárias , onde o objetivo central é a promoção do livro-divulgação, um texto de fruição que carrega consigo a reflexão crítica. Por outro lado, o fetiche do editor pode ter um fundamento obsessivo que se materializaria na necessidade de controle do mundo, angústia pela fuga da desordem, do imprevisto, do caos. A necessidade de controle direcionada para o leitor transformaria o fetiche da edição em fetiche sádico, controlando o prazer alheio. Instaurado o sadismo, o editor se movimentaria em um desejo de glorificação narcísica. Uma questão importante é que esse fundamento obsessivo no fetiche do editor é uma prática promovida pelo contexto econômico contemporâneo. O editor é antes de tudo um funcionário, membro de uma organização muitas vezes transnacional, com mecanismos difusos de controle de capital, que visa fundamentalmente ao lucro. Para compreender o editor-funcionário, é preciso compreender o contexto onde ele está inserido. Sennet entende que a sociedade capitalista moderna literalmente corrói o caráter dos indivíduos. Entretanto, o primeiro paradoxo advém de como poderemos buscar metas de longo prazo em uma economia dedicada ao curto prazo? Entretanto, na sociedade moderna, tais comparações são feitas sem maiores preocupações. Os bons padrões para o trabalho, repletos de uma racionalidade instrumental, são transportados para a vida pessoal, transformando-a em uma extensão mecanomórfica da realidade empresarial. Diversas dessas qualidades do bom trabalho capitalista que são prejudiciais ao caráter humano são citadas. O mote moderno de flexibilidade implica desprender-se do próprio passado, ausência de apego, confiança para aceitar a fragmentação. O trabalho é cada vez menos legível, no sentido de permitir ao trabalhador o entendimento do que se está fazendo, e o trabalhador gradualmente se aliena. A fluidez, tão defendida no contexto empresarial, torna o indivíduo focado apenas em metas de curto prazo. Permanecer num estado contínuo de vulnerabilidade arriscar-se constantemente embota o espírito humano. E, assim, o caráter humano é degradado pelo próprio sistema econômico no qual estamos inseridos. Sendo um editor-funcionário, seu trabalho colaboraria então com o que Guy Debord chama de sociedade do espetáculo. O conceito de espetáculo unificaria uma grande diversidade de fenômenos e deve ser entendido como a reconstrução material da ilusão religiosa e resultado do modo de produção vigente. O espetáculo na sociedade corresponderia a uma fabricação concreta de alienação, a uma acumulação de capital a tal ordem que ela se transforma em imagem. Fundado no fetiche da mercadoria, o espetáculo transforma o consumidor real em consumidor de ilusões. Essa visão da atividade editorial como negócio, apoiada no livro-mercadoria, é discutida, por exemplo, por Schiffrin 2006. Nesse trabalho o autor problematiza a transformação que vem ocorrendo no mercado do livro com a entrada das grandes corporações. Elas incorporam conceitos alheios às editoras tradicionais, tais como a necessidade de lucro em cada obra e o incentivo a processos de fusão não criteriosos, em uma lógica corporativa que impacta substancialmente a circulação dos livros e das ideias que eles contêm. Para opor-se a ela, Shiffrin narra a demissão coletiva que ocorreu na Pantheon Books na década de 1990 e a sua tentativa de opor-se a esse modelo com a criação da New Press, uma editora sem fins lucrativos e ainda em atividade. Epstein 2002 tem uma postura semelhante. Ele relata as transformações pelas quais passou a indústria do livro e mostra de forma crítica como ela cada vez mais se direciona para o sucesso com base na venda de best sellers muitas vezes de qualidade duvidosa. Partindo do ponto de vista de sua atuação na Random House, Epstein mostra como a ligação entre os funcionários das editoras se transformou logo após os processos de fusões e aquisições que geraram os grandes conglomerados editoriais. O mercado editorial passa a ser, nada mais, nada menos, que um grande negócio. Nesse mercado de massa, o marketing é mais importante do que a função editorial, que se transforma em mínima Epstein, 2002 , o que nos remete à visão espetacular da sociedade a partir da preponderância da mercadoria Debord, 1992. Essa realidade levantada por Epstein e Schifrin é a mesma que ocorre no Brasil. Um estudo recente também aponta para essa concentração, tanto no âmbito empresarial quanto geográfico. Ela é uma tecnologia em fluxo, e que ainda não se estabilizou; 2. O modelo do consumo segue a lógica apresentada acima, ao qual as editoras-corporações estão se submetendo. O paradigma em jogo é a oposição consumo x comunidade, competição x colaboração, mercadoria x dádiva. Trazendo essas reflexões para o campo do mercado editorial, cabe-nos pensar como as novas tecnologias colaboram com o acesso ao livro, com a difusão de ideias e conhecimentos, e com a construção de uma sociedade mais democrática. As novas tecnologias trouxeram mudanças abrangentes no processo editorial, das quais podemos destacar: 1 O barateamento do processo de edição, produção, distribuição e venda de livros físicos — novos softwares, impressão sob demanda, plataformas online de venda etc. Sobre os dois primeiros há abrangente literatura disponível, e por isso os apresentaremos de forma resumida. Por outro lado, justamente o terceiro parece ser o que penetra mais profundamente na brecha aberta pela indústria do livro e portanto parece guardar o maior potencial democratizante dentre todos. O barateamento do processo de edição, produção, distribuição e venda de livros físicos Desde a imprensa de Gutenberg, uma grande gama de avanços técnicos ocorreu no âmbito das diversas etapas que envolvem a criação do livro-objeto. Os escritores, antes limitados a pergaminhos e penas, passaram pela máquina de escrever e hoje em dia podem literalmente alugar a preços extremamente baratos por exemplo, em lan houses o artefato técnico que viabiliza a difusão dos seus textos para o mundo inteiro. Os processadores de texto permitem que praticamente qualquer usuário com um pouco de domínio técnico do artefato — intuitivo para as novas gerações, mas ainda apresentando certos obstáculos para quem não nasceu no âmbito dessa revolução tecnológica — possa escrever, revisar e compartilhar seus textos. A jusante da cadeia, o mesmo ocorre. As grandes máquinas industriais que imprimiam os livros seguem o caminho da miniaturização e da personalização em massa considerada por alguns como o centro da terceira revolução industrial , permitindo a impressão de pequenas quantidades. Em determinados casos já é realidade a impressão sob demanda, materializando o livro-objeto apenas quando da existência de uma demanda concreta, o que claramente é uma extensão do conceito de just-in-time — marca da indústria japonesa do século XX — para a cadeia produtiva do livro. Os estoques são considerados como ativos em rápida depreciação: o objetivo é diminuí-los ao máximo. Por fim, no âmbito da distribuição, grandes plataformas na web se constituem como um espaço de aproximação entre os consumidores e a indústria do livro, diminuindo substancialmente os custos de transação associados a essa troca econômica. Com todos esses recursos, a autoedição é um fenômeno em franco crescimento, e se introduz em uma brecha criada pela indústria do livro: o editor deixa de ser intermediário entre escritor e público. O escritor passa a ser aquele que busca entender diretamente as necessidades do seu público e se dirige a ele sem necessidade de qualquer crivo. Sem colocar em questão a sua qualidade literária, a trilogia Cinquenta tons James, 2012 obteve grande sucesso de vendas e foi produzido por autoedição. Por mais que a autoedição não seja estritamente uma novidade na indústria do livro — existem evidências de que fizeram isso Proust, Sterne, Luther, Whitman, Pound, Dickinson, Hawthorne e Austen, apenas para citarmos alguns Patterson, 2012 —, o acesso a tecnologias substancialmente mais baratas permite que qualquer escritor com um capital inicial bastante pequeno o faça. Nos casos citados, eram necessários grandes empréstimos, empenhos de bens e acordos para que isso ocorresse, o que não é mais necessário. Com a facilidade de produção e distribuição do livro-objeto, a questão que surge é como chamar a atenção do público leitor. A profusão de livros acaba fortalecendo o trabalho do crítico literário, voyeur barthiano, na medida em que o leitor médio se sente perdido em meio a um mar de informação. Dessa forma, por mais que as novas tecnologias permitam uma democratização na produção e distribuição do livro-objeto, a sua inserção em mecanismos de mercado o livro-mercadoria ainda apresenta desafios para uma verdadeira democratização da cultura. O fim do império do livro-objeto Ainda mais recente que a internet e a revolução dos processadores de texto, o surgimento de artefatos técnicos que permitem uma leitura confortável e dispensam a necessidade do livro-objeto são a marca de uma nova revolução no setor. Com a revolução tecnológica, o compartilhamento de textos pela internet teve um franco crescimento. O formato PDF Portable Document File, formato proprietário da Adobe foi uma importante padronização do código técnico de forma a divulgar textos em um padrão lido por qualquer plataforma digital. Não obstante, um obstáculo relevante era a falta de conforto ao ler um longo texto eletrônico durante horas em um computador. Esse obstáculo vem sendo ultrapassado no século XXI com a proliferação dos e-readers, artefatos tecnológicos portáteis que facilitam grandemente a leitura de documentos eletrônicos. Algumas das principais empresas do setor são a Amazon com seu Kindle e a Apple com seu iPad. Os principais padrões que surgiram são o ePub electronic publishing , formato livre e aberto criado pelo International Digital Publishing Forum CICOM e o MOBI, formato proprietário detido pela Amazon. Com os e-readers, o livro-objeto não é mais o elemento central de transmissão de conhecimento em nossa sociedade. Livros de medicina com animações e filmes misturam o que era texto impresso com a multimídia e nos criam uma questão teórica sobre como conceituá-los. A própria característica distintiva da forma romance para Auerbach 1994 — texto centrado no objeto livro — passa a ser questionável nesse contexto. O custo de impressão e distribuição passa a não ser tão relevante em um mundo conectado à internet. O mundo virtual quebra barreiras de distância. Aparentemente trivial em grandes metrópoles como o Rio de Janeiro ou São Paulo, essa questão é de suma importância em países de dimensões continentais como o nosso, com locais a dias de distância de uma livraria ou biblioteca mais próxima. A ausência da necessidade de uma impressão e distribuição física facilita ainda mais o processo de autoedição. Os custos envolvidos no processo de produção de um livro são reduzidos drasticamente, bastando o acesso a alguns softwares, muitos dos quais de código aberto. Além de facilitar a autoedição e a distribuição de livros, outro elemento que marca o potencial democratizante do fim do império do livro-objeto é o acesso gratuito a obras que estão em domínio público. Os governos possuem diversas iniciativas de digitalização de obras raras que permitem a disseminação do conhecimento de formas impensáveis há algumas décadas. Entretanto, por mais que o advento da internet já viesse permitindo a divulgação sistemática de obras que não estão sujeitas a copyright, a necessidade de lê-los em uma tela de computador ou imprimi-los acabava fazendo com que muitos leitores continuassem comprando os livros-objeto. Um fato novo que surgiu é que, em questão de poucos anos, todos os livros e traduções que estão em domínio público tiveram sua leitura verdadeiramente viabilizada a qualquer leitor que possa pagar algumas centenas de reais em um e-reader de sua preferência. Muitas traduções também estão. Com um artefato tecnológico incrivelmente barato para o seu potencial, a democratização de acesso ao livro-cultura é cada vez mais uma realidade. Os repositórios online gratuitos Ao discutirmos o fim do livro-objeto, já levantamos alguns pontos sobre repositórios online gratuitos, que permitem a franca disseminação de textos, mas enfrentam a barreira de leis de propriedade intelectual, dificultando o acesso a um importante elemento da cultura contemporânea. Entretanto, justamente nesse contexto, Feenberg e seu conceito de dádiva passam a ser relevantes para a presente discussão. Por mais que não estejam em domínio público, facilmente são encontrados livros de grande sucesso ou de grande relevância teórica na internet. A título de exemplo, a obra completa de Clarice Lispector está disponível em uma grande quantidade de websites, blogs e comunidades online. É uma espécie de troca alheia aos mecanismos de mercado, sem evocar o valor monetário. Livros de Clarice Lispector são muitas vezes compartilhados por um ideal político-anárquico, por entender que o livro-cultura deve ser divulgado e não deve estar sujeito às rígidas regras de propriedade intelectual que priorizam o direito econômico dos herdeiros em detrimento do direito social de acesso à cultura. A visão nesse contexto é que a cópia é um elemento central para a criação de emprego e prosperidade. Novamente não se atendo a questões de valor literário, o escritor Paulo Coelho, por exemplo, é um grande defensor do pirateamento e divulgação online de livros, inclusive os seus próprios. Ele entende que o compartilhamento de obras fortalece a venda na medida em que permite a divulgação mais abrangente do trabalho do escritor Folha de São Paulo, 2009, e O Globo, 2015. O surgimento de repositórios online gratuitos, verdadeiras bibliotecas de Alexandria que simplesmente ignoram quaisquer considerações sobre direitos autorais, apresenta-se como a possibilidade mais pungente de democratização do acesso ao livro-cultura. Basta uma conexão com a internet e todo o conhecimento humano está ao alcance das mãos. A atividade editorial nesse contexto Como exposto, o elevado potencial democratizante das novas tecnologias em relação ao acesso aos livros é calcado em fundamentalmente três aspectos: 1 O barateamento de todas as etapas de produção e distribuição, permitindo a emergência de novos modelos, tais como a autoedição; 2 novos artefatos técnicos que prescindem da necessidade do livro-objeto, o que habilita o acesso a uma gama enorme de livros que não estão protegidos por direitos autorais, e ainda permite que o conhecimento alcance lugares cuja logística de distribuição não seria favorável; e 3 iniciativas de cunho político-anárquico, fundadas na dádiva, que entendem que o acesso ao conhecimento é prioritário em face de direitos de propriedade. Com o surgimento da internet e posteriormente dos e-readers, recorrentemente questionava-se se seria o fim do livro-objeto. Após algumas décadas de internet e vários anos de e-readers, essa não parece ser a realidade. Por mais que o mercado tenha se tornado altamente concentrado, livrarias e editoras continuam existindo e publicando. A questão que emerge é como a atividade editorial pode se adequar aos novos tempos. Como exposto, as novas tecnologias possuem um alto potencial democratizante, atuando em brechas da lógica de mercado que permitem uma divulgação significativa dos livros e, por conseguinte, do próprio conhecimento humano. A atividade editorial não pode ignorar essa nova lógica ou tentar combatê-la com leis protecionistas mais rígidas. A própria lógica da diferenciação da mercadoria, central para a terceira revolução industrial, deve ser utilizada na indústria editorial. Os livros devem passar a ser mais interessantes, contando com estudos teóricos, referências, notas de rodapé, imagens e outros materiais que façam o leitor se interessar pela aquisição daquela edição específica de um livro. Livros com revisões ruins, tipografias ilegíveis e impressão de má qualidade, por exemplo, não são mais aceitos pelo mercado a Bibliothèque de la Pléiade já antecipava esse movimento em quase um século. Claramente, por mais que todos os códigos e leis por definição sejam livres, a possibilidade de um serviço diferenciado faz com que o leitor-consumidor veja valor naquela mercadoria específica. O fetiche do objeto único pode ser utilizado pela indústria do livro por meio de noites de autógrafo, nas quais os escritores transformam aquele objeto seriado em um objeto único para o leitor. Rodas de debates gratuitos com escritores e teóricos podem atrair um grande público interessado e se transformarem em um espaço particularmente rico para as editoras divulgarem suas obras. A mudança da mentalidade que deve ser operada é a passagem de uma lógica centrada no livro-objeto para uma lógica centrada na experiência do leitor. O setor da música já possui muitos avanços nessa direção, com diversas bandas divulgando gratuitamente seu trabalho de forma a trazer maior público para seus shows. Trechos de livros ou ainda livros inteiros devem ser disponibilizados online pelas editoras a Amazon, gigante do setor, já os disponibiliza. O livro continua sendo um presente de grande valor e é nisso que deve recair o foco. Medidas protecionistas no contexto contemporâneo, com as tecnologias de compartilhamento disponíveis, só inflamarão a vontade de ultrapassá-las. O mercado livreiro deve dialogar com os novos tempos, ou então ele sucumbirá à indústria cinematográfica, da música, e outros ramos do entretenimento que ganham cada vez maior espaço na mídia. As editoras não devem simplesmente manter uma atuação focada na lógica de mercado e no aumento de lucro ou então elas serão engolidas por corporações cada vez maiores. Uma questão relevante é que os acionistas dessas mega-corporações veem o mercado apenas em termos financeiros, deixando de lado a função de troca intrínseca a ele. Restará ao editor, aquele com experiência no setor e que pode antecipar os seus movimentos, de redirecionar as editoras para conviver de modo mais saudável no contexto das novas tecnologias. Por exemplo, a identificação de nichos não atendidos traduções raras de um conjunto de pensadores, edições críticas de determinados autores etc. Um elemento central para a manutenção de uma indústria competitiva em nossa era do conhecimento é a agregação de valor e a diferenciação de seus produtos. As novas tecnologias devem ser utilizadas em favor de uma maior difusão de novos textos de fruição, ultrapassando as barreiras geográficas e de custos historicamente associadas ao processo de difusão do livro. Ou a indústria livreira reconhece isso ou nos próximos anos assistiremos a uma pasteurização da própria atividade editorial, sempre em busca do novo best seller. Além disso, possui graduação e mestrado em Letras pela UERJ e cursa o doutorado em Ciência da Literatura na UFRJ. Nessa área escreve sobre aspectos teóricos da literatura. O autor gostaria de agradecer a Daniela Rozados, aos colegas do BNDES e ao Prof. Ítalo Moriconi por colaborarem com as reflexões propostas. Este artigo é de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. Mímesis: a representação da realidade na cultura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1994. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1987. O demônio da teoria. Belo Horizonte: UFMG, 2012. DEBORD, Guy: La société du spectacle. Paris: Éditions Gallimard, 1992. O negócio do livro: passado, presente e futuro do mercado editorial. Rio de Janeiro: Record, 2002. Copyright: a mentira contada e a prosperidade e crescimento na cópia. O que é um autor? In: Ditos e escritos: Estética — literatura e pintura, música e cinema vol. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. Cinquenta tons de cinza. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012. MELLO, Gustavo; NYKO, Diego; GARAVINI, Fernanda e ZENDRON, Patrícia. Setor editorial: tendências da era digital no mercado brasileiro. Revista BNDES Setorial, Mar 2016 no prelo. How the great writers published themselves. The great library of Alexandria?. Library Philosophy and Practice. Artigo RAMOS, Alberto Guerreiro, A nova ciência das organizações. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1981. Estudo do éthos científico contemporâneo a partir da emergência da tecnociência e das mudanças no modo de produção do conhecimento científico. Relatório científico de atividades para obtenção de título de pós-doutorado. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados, USP, 2015. O negócio dos livros: como as grandes corporações decidem o que você lê. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006. A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2007. Outros websites consultados: BNDES. Seleção Pública de projetos de preservação de acervos. Folha de São Paulo. Paulo Coelho oferece gratuitamente livros na internet. Sindicato Nacional dos Editores Livreiros SNEL. Setor editorial se une em torno do debate sobre uma lei do preço fixo, 2015. Essa disseminação decorre de uma nova compreensão dos arquivos, relidos da perspectiva dos estudos filosóficos, antropológicos e culturais, que culminou numa archival turn efetuada nas duas últimas décadas do século passado. Com as abordagens de Michel Foucault e Jacques Derrida, no campo filosófico, o arquivo alcança novo estatuto teórico, tornando-se metáfora esclarecedora das relações entre memória, saber e poder e um operador relevante para se pensarem nossas relações com o tempo. Daí a relevância de se repensarem a materialidade e o imaginário dos arquivos com suas coleções, de se atentar para as complexas operações do mise an archive, construtoras da memória e agregadoras de valores. No âmbito das artes contemporâneas, especialmente na América Latina, um olhar atento certamente detectará um disseminado gesto arquivístico, que incrementa as ficções do arquivo. Esse gesto é visível em obras de literatura e de artes visuais que tematizam figuras do arquivo — bibliotecas, museus, coleções, catálogos, listas etc. Um problema que subjaz a essa encenação e desejo de arquivo diz respeito a um excesso de memória, a seus usos e abusos. Importa refletir se tal excesso de arquivo implica uma paralisia da ação criativa, reduzindo-a a mera citação de um passado já consumado, estando a serviço de regimes discursivos da verdade ou se, pelo contrário, ao mimetizarem práticas do arquivo, a construção de provas documentais, essas ficções contemporâneas do arquivo constroem imaginações desestabilizadoras da evidência histórica, de discursos dicotômicos e dogmáticos, rasurando as fronteiras entre o imaginado e o vivido, a ficção e a realidade, a obra e a vida. Uma análise mais adequada do papel do arquivo nas artes e na cultura da atualidade demanda obviamente um trabalho efetivo com os arquivos de artistas e escritores, que ganham relevância na medida em que se deslocam da esfera privada para o espaço público em instituições de guarda, sendo disponibilizados para a pesquisa, especialmente com o suporte das novas tecnologias da memória — a informática, o digital, a internet. Os artigos deste novo número da Revista Z Cultural refletem, como se poderá comprovar, uma acurada atenção aos arquivos artísticos, literários e culturais, quer em termos de uma reflexão mais teórica, quer no confronto corpo a corpo com seus materiais e documentos, quer ainda no que tange a suas possibilidades criativas e ficcionais. Os artigos de Ana Cláudia Viegas, Cléber Araújo Cabral e Marília Rothier Cardoso lidam diretamente com os arquivos dos escritores Luiz Ruffato, Murilo Rubião e Jorge de Lima, respectivamente, evidenciando como em ambos, a partir dos documentos examinados — retratos, pinturas, anotações, entrevistas etc. Elena Romiti, por sua vez, explicita a própria literatura como um gesto arquivístico ao ler La Sobreviviente, de Clara Silva, como uma novela-arquivo e estratégia de inserção no sistema literário sul-americano por parte de mulheres escritoras. Na mesma direção se move Eneida Maria de Souza ao pensar relatos autoficcionais enquanto gesto de sobrevivência da vida por meio do processo de escrita e leitura. Com seus ensaios, Leonor Arfuch e Reinaldo Marques abordam trabalhos de mulheres artistas que se constituem nas margens do arquivo. De sua parte, ao reelaborar uma experiência de pesquisa, Marques se detém no exame do arquivo de uma artista popular — Zefa, artesã do Vale do Jequitinhonha — considerando questões relativas ao colecionar, à memória e à cultura popular. De um ponto de vista mais antropológico, José Rogério Lopes articula processos de singularização de imagens e objetos relacionados às biografias de colecionadores, configurando frames colecionistas em arranjos situacionais. Como exemplificação, recorre a duas obras cinematográficas — Un cuento chino e A coleção invisível — e uma literária, A coleção particular de Georges Perec. Por fim, recorrendo a Giorgio Agamben e Jean-Luc Nancy, a Oliverio Girondo e Macedonio Fernández, Raul Antelo assinala a potência do arquivo ao conectá-lo com questões relevantes que passam por interações entre linguagem e discurso, ética e política, a natureza do humano e do inumano, o significado do testemunho. Cabe agora ao leitor da Revista Z Cultural conferir essas tramas possíveis dos arquivos nos artigos aqui coletados. Palavras-chave: Imagem do autor; obra-arquivo; Luiz Ruffato. Entre as várias possibilidades de produção de arquivo na escrita contemporânea, colocamos em foco as práticas de arquivamento do eu desenvolvidas pelos escritores no processo de formação da figura autoral, seja na própria obra ou em entrevistas, depoimentos, blogs, sites, redes sociais. O papel preponderante da mídia na cena discursiva contemporânea nos leva a refletir sobre como ela vem desenvolvendo e modificando o funcionamento da imagem do autor. A aparente repetição de respostas a diferentes entrevistadores gera uma marca discursiva que o singulariza. Nele, uma fotografia embaçada registra uma estranha composição: em primeiro plano um menino, trajando uma curta blusa de flanela, um desajeitado short e um sujo par de chinelos de dedo, tristes e assustados olhos semifechados. Assentada sobre o braço da mulher, a mão esquerda de uma quarta pessoa. O menino, identifico-o, sou eu, aos cinco ou seis anos de idade. Mas quem são os outros três personagens que, numa tarde de inverno para sempre perdida, imobilizaram-se para o olhar amador de alguém por detrás da máquina fotográfica? Quais os seus nomes, de onde vieram, onde estarão agora, o que fizeram de suas vidas, foram felizes? Esses fatores, junto com a minha origem social, conformam toda uma visão de mundo, à qual, mesmo que quisesse, não poderia renunciar. Sem a ingênua intenção de retratar fielmente uma realidade pessoal ou social, Ruffato vai se configurando como autor no deslizamento entre pessoa e personagem, de dentro para fora de seu texto e de novo. Na Apresentação de seu romance mais recente, Flores artificiais 2014 , lê-se: Em 2007 lancei um livro, De mim já nem se lembra, no qual compilo cartas enviadas por meu irmão, José Célio, para minha mãe, Geni, entre 1970 e 1978, período em que ele trabalhou como torneiro-mecânico em Diadema, na Grande São Paulo. Dois anos depois, publiquei Estive em Lisboa e lembrei de você, de gravação de quatro sessões de entrevistas com Sérgio de Souza Sampaio, imigrante brasileiro em Portugal. A divulgação dos dois títulos, nos quais, mais que criador, atuo como organizador e editor, levou várias pessoas a me procurar com histórias que poderiam ser utilizadas em volume. Como nunca pretendi tornar-me coadjuvante de textos alheios, recusei as doações. No entanto, em setembro de 2010 recebi uma correspondência que, pela singularidade da proposta, me persuadiu a repensar a decisão. São algumas dessas páginas, intituladas Viagens à terra alheia, que ancoraram em minha mesa há pouco mais de três anos. Se pilhéria do biografado ou incompetência do retratista, eis a questão. Enfim, ao leitor, ofereço um buquê de flores artificiais Ruffato, 2014, p. O longo trecho aqui reproduzido nos permite perceber a série de jogos criados por seu narrador, que extrapolam, inclusive, as páginas deste livro, colocando o autor também em meio aos lances de dados. Os dois romances citados no primeiro parágrafo — cujas referências bibliográficas são indicadas em notas de pé de página — foram efetivamente publicados por Ruffato, o que pode ser atestado — mesmo por um leitor que desconheça suas obras anteriores — na orelha do volume que lemos. Como somos informados logo nesse início da Apresentação, esses livros também foram elaborados a partir de jogos entre autores e narradores, biografia e ficção: um composto a partir de cartas recebidas pelo narrador, que compartilha dados biográficos com o autor Ruffato; o outro que se abre com a seguinte Nota, assinada por L. A Paulo Nogueira, que me apresentou a Serginho em Portugal, e a Gilmar Santana, que o conheceu no Brasil, oferto este livro Ruffato, 2009, p. Através de textos fragmentados, passíveis de serem lidos separadamente, mas, ao mesmo tempo, complementares, os cinco romances que compõem a série Inferno provisório — Mamma, son tanto Felice 2005a , O mundo inimigo 2005b , Vista parcial da noite 2006 , O livro das impossibilidades 2008a e Domingos sem Deus 2011 — narram o povoamento da Zona da Mata mineira por imigrantes italianos, a posterior desestruturação da vida rural frente à modernização, e a formação das metrópoles paulista e carioca a partir da migração. O primeiro volume é ambientado em Rodeiro, na década de 1950; o segundo, em Cataguases, nos anos 1960 e 70; o terceiro, também em Cataguases, nas décadas de 1970 e 80; o quarto, em Cataguases, Rio de Janeiro e São Paulo, nos anos 80 e 90; e o último, em São Paulo, no início do século XXI. A atribuição da coautoria de seu último romance a Dório Finetto cria mais uma dobra no jogo entre autores e narradores, personagens e pessoas reais, biografia e ficção. Como traço de um projeto estético que se define pelo reaproveitamento, seus textos transitam, se reescrevem, se reembaralham, conforme advertido nas notas finais de alguns volumes da série Inferno provisório: Possível que alguma passagem de Mamma, son tanto felice, primeiro volume de Inferno provisório, seja reconhecida. Em verdade reembaralhadas, aí estão uma das Histórias de remorsos e rancores totalmente reescrita , três de os sobreviventes revistas e duas inéditas Ruffato, 2005a. Possível que alguma passagem de O mundo inimigo, segundo volume de Inferno provisório, seja reconhecida. Em verdade reembaralhadas, aí estão seis das Histórias de remorsos e rancores totalmente reescritas , duas de os sobreviventes revistas e quatro inéditas Ruffato, 2005b. Todas as histórias que compõem O livro das impossibilidades, quarto volume de Inferno provisório, são inéditas, à exceção de uma, revista, que pertenceu, um dia, a os sobreviventes Ruffato, 2008a. Sua obra vai se compondo, assim, em rede, puxando fios, tecendo-se e destecendo-se, para novamente enredar-se. Reescrevem-se histórias, retomam-se personagens, citam-se obras próprias e alheias. A referência aos românticos aponta para o papel do escritor mineiro de crítico de sua própria obra, quando busca orientar a leitura de seus livros, seja acrescentando-lhes notas e apresentações, seja oferecendo caminhos para seus leitores em entrevistas e depoimentos. Também aqueles exerciam uma certa pedagogia da leitura, através de prefácios, posfácios, notas, ensaios autobiográficos sobre sua formação como escritores. Assim como em seus precursores, tais paratextos denotam, muitas vezes, uma falsa — ou pelo menos, dúbia — referencialidade. Da mesma forma que a já transcrita nota explicativa no início de Estive em Lisboa e lembrei de você atribui a narrativa a depoimentos do personagem Sérgio colhidos pelo escritor L. Os detalhes das circunstâncias dos encontros, possíveis indicadores da veracidade da história narrada, contrastam com a afirmação de que Dório Finetto não se reconhece nessas notas. Ao simular a construção de provas documentais, antes desestabiliza do que reafirma a evidência histórica, rasurando fronteiras entre o imaginado e o vivido, a ficção e a realidade, a obra e a vida. No lugar de confissão e fidelidade, falsas pistas e artifícios. É possível reconhecer o autor na obra? A visão de mundo daquele nos ajuda a compreender o que escreve? Ou tudo não passaria de pilhéria do biografado? Tem diversos ensaios publicados sobre a prosa de ficção brasileira produzida nas últimas décadas. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. A imagem do autor na mídia. O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. Jovita Maria Gerheim Noronha e Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. Rio de Janeiro: Record, 2011. Estive em Lisboa e lembrei de você. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. O livro das impossibilidades. Rio de Janeiro: Record, 2008a. Até aqui, tudo bem! Como e por que sou romancista — versão século 21. Espécies de espaço: territorialidades, literatura, mídia. Mamma, son tanto felice. Rio de Janeiro: Record, 2005a. Rio de Janeiro: Record, 2005b. Luiz Ruffato e seu inferno provisório. Entrevista concedida a Ronise Aline. Blog : comunicação e escrita íntima na internet. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. SOUZA, Eneida Maria de. Notas sobre a crítica biográfica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. Posted in , , Resumo: A partir do diálogo entre dois retratos de Murilo Rubião e de dois manuscritos desse escritor, este ensaio tem como objetivo a leitura do arquivo literário desse autor. Com isso, esse trabalho visa a sugerir tanto um procedimento de escrita como de escuta da memória literária custodiada e materializada nos arquivos. Palavras-chave: Murilo Rubião; arquivos literários; crítica biográfica; ficções do arquivo. In this matter, this work proposes both a procedure of writing and of listening of the literary memory subsided and materialized in the archives. Keywords: Murilo Rubião; literary archives; biographic criticism; archive fictions. Quando se pensa em pesquisas a partir de fontes documentais, indaga-se, sobretudo, acerca das táticas de abordagens do corpus adotadas pelos pesquisadores. Nestas poucas linhas, perscruta-se a sugestão da leitura como forma de escuta. Nesse percurso do ler ao escrever, concebe-se o arquivo de um escritor não apenas como palimpsesto de tempos, valores e vozes culturais a decifrar — mas, sobretudo, como local propício à elaboração de ficções, quer de ordem teórica ou não. De espaço de preservação, ordem discursiva composta por traços da memória literária, o arquivo literário desdobra-se em lugar de questionamento e an-arquia das imagens de pensamento instituídas a propósito da literatura. As proposições acima servem de corolário para o texto que se segue: uma encenação crítico-ficcional das relações entre escrever e ler. Para tanto, o pesquisador se apropria de vários discursos do e sobre o escritor e o arquivo, deslocando-os e os expandindo mediante a elaboração de narrativas teóricas. Assim, da tentativa de fixar a poética implícita de uma obra, delineiam-se traços de uma poética da leitura — que poderia ser vista, também, como poética dos rastros. Antes de passar a este exercício de escuta, gostaria de fazer dois comentários. O primeiro concerne ao jogo de vozes que se poderá perceber ao confrontar a primeira com a segunda e a terceira cenas. Buscou-se criar um atrito entre a voz distanciada, própria ao discurso científico, em contraponto à proximidade do sujeito afetado pelo objeto de sua pesquisa. Já o outro comentário diz respeito ao tom descritivo da narrativa que se segue. O que se propõe, no experimento a seguir, consiste em sugerir mais de uma figuração do i legível que se insinua no mal de arquivo literário. Atraído pelos rumores das páginas, aventuro-me em meio à ordem de um arquivo literário. Antes de iniciar minha jornada, lembro que, certa vez, elaborei um mapa do local. Consulto as anotações e encontro um esboço. Fonte: Elaboração do autor. Mesmo que o desenho não coincida exatamente com a geografia atual do espaço, ao menos irá auxiliar em sua visualização. Por instantes, leio os traços na folha à minha frente, até que escolho uma dentre as várias entradas do labirinto. Enquanto caminho, penso que a organização das salas por vizinhanças confere ao lugar o aspecto de uma pequena cidade de vidro habitada por espectros. Não demora até que chego à encenação de como poderia ter sido o laboratório daquele escritor por quem me interesso. Examino à minha volta, em busca de algo na montagem que capture meu olhar, até que percebo, ao fundo da sala, um quadro parcialmente oculto pela porta aberta de um armário. Dirijo-me a ele e me coloco a observá-lo. Retrato do escritor Murilo Rubião. Neste retrato, vê-se um homem com o olhar voltado para o livro em suas mãos. O terno escuro, a calvície acentuada, o bigode bem talhado, somados ao cinza esfumaçado que compõe o plano de fundo, contribuem para atribuir certo ar de solenidade à composição. Apesar de tantos elementos, os traços e a fisionomia indicam que ainda se trata de um jovem. Sua expressão, aparentemente tranquila, pouco contrasta com a tensão insinuada pelas sobrancelhas arqueadas. Os olhos semicerrados e a cabeça ligeiramente inclinada para baixo apontam para o foco do olhar: um livro, do qual não se nota título ou autor. No entanto, diferente da tematização pitoresca de uma cena doméstica de leitura, feita pelo pintor francês, a cena de leitura do retrato de Rubião parece dramatizar ou talvez buscasse fixar um instante decisivo — o contato do indivíduo com uma herança, uma prática e um objeto que irão modelar as condições de narração de sua história futura: a tradição letrada, a leitura, o livro. Continuo a ler a tela. Noto que, abaixo de uma das mãos, há uma assinatura e uma data: Aurélia Rubião, 1937. As informações fazem com que me lembre de alguns dados e do vínculo entre a retratista e o retratado. Por este período, ela, com seus 36 anos, tinha certo reconhecimento no meio artístico como pintora; ele, jovem nascido em uma família de escritores e letrados, era um estudante de Direito que contava entre 20 e 21 anos, mas já tateava sua poética, ora atuando como jornalista, ora publicando narrativas e poemas em jornais e revistas locais. Se um retrato é como um espelho, ele deve refletir, ainda que de maneira estilizada, aspectos daquele que se encontra diante dele. Isso me faz pensar: teria sido o quadro feito apenas para representar a paixão de Murilo pelo livro e pela leitura? Ou a ideia de Aurélia teria sido construir uma imagem do primo como homem de letras, a fim de que, pelo efeito da contemplação diária da tela, ele afivelasse ao rosto a máscara do escritor? Após tomar minhas notas, lembro-me de que ainda há mais locais para percorrer. Outra vez, um retrato do escritor convoca a atenção não só pela imagem, mas pela repercussão que há entre a tela lida antes e estas que se apresentam, agora, ao olhar. Montagem museográfica do Acervo Murilo Rubião. Retrato do escritor Murilo Rubião. Se o primeiro apresentava um jovem em 1937, neste vemos um homem 50 anos depois. Aqui, o pintor não só dá vida à figura de Murilo Rubião como escritor, vemos o criador em meio a suas criaturas, imerso numa atmosfera que busca remeter o espectador a seu universo ficcional. Posicionado no centro da tela, o escritor tem a cabeça coroada por uma espuma semelhante a nuvens seria uma alusão a certo aspecto onírico de alguns de seus contos? Circundando-o, há elementos que figuram sua profissão e que também dão título a alguns de seus textos mais conhecidos. À esquerda, na altura do rosto, alguns livros, nos quais se leem os títulos de sua obra, mesclam-se a um girassol vermelho quase translúcido. Logo abaixo, uma flor de vidro? Sem dúvida, este retrato fixa a imagem de um escritor canonizado. Após a pausa motivada pelo retrato poético de Bax, retomo a caminhada e chego ao local que procurava: a biblioteca e o arquivo construídos pelo escritor ao longo de sua vida. Por um instante, observo o lugar. Livros, cerâmicas, garrafas, fotografias e estantes de madeira dividem espaço com móveis de metal. Resisto a consultar o índice de documentos que tenho comigo e me lanço à procura de alguns fios para esta narrativa. Reserva técnica do Acervo Murilo Rubião. Percorro prateleiras, passando de uma estante a outra. Abro gavetas, repletas de pastas meticulosamente organizadas, das quais retiro e folheio numerosos documentos sem, contudo, encontrar nenhum traço que testemunhe possíveis segredos da escrita dele. Após percorrer quase todo o cômodo, olho para o único lugar que não investiguei ainda: um armário de metal. Ao abri-lo vejo, em seu interior, várias pastas, dispostas de maneira caótica, sem ordem aparente. Observo o conjunto e, sem saber por onde começar, decido consultar todas, uma a uma. Recortes de jornal repetidos, agendas antigas, cadernetas, recibos, carteiras de trabalho, diplomas… Sei que um arquivo se compõe de restos, mas a certeza não afasta a impressão de buscar vestígios de sobreviventes o escritor? Neste momento, deparo-me com algo que provoca minha atenção. Trata-se de uma pasta cinza, de fecho elástico, marcada pela ação dos tempos. Enquanto olho para a pasta, imagino os conteúdos que estariam em seu interior, à espera de minha leitura. Por um instante, divago: e se as anotações que se encontram ali forem as necessárias para comprovar minhas hipóteses sobre o improvável dos contos do escritor? Movido pela possibilidade de desvendar esse e outros mistérios, abro a pasta. Dentro, folhas de tamanhos variados, dispostas sem ordem aparente, exibem manuscritos e datiloscritos que se assemelham a rascunhos de narrativas. No conjunto, os textos já seriam documentos? Estranho, penso, as outras pastas, as que se localizam nos arquivos, encontram-se organizadas cronologicamente. Já esta, escapa à regra — como o tempo fragmentado, oscilante e fora dos eixos que se manifesta nos contos do escritor. Coloco-me a folhear o material ali mesmo, de pé. Em meio aos papéis encontro uma lista manuscrita, espécie de índice em que se podem ler 15 títulos de estórias — se esboçadas ou se improváveis, ainda não tenho ideia. Ao lado de cada inscrição, há o que parecem ser os argumentos de cada uma das narrativas. Ao ler estas linhas, sinto-me tomado pela febre do arquivo, volto a folhear freneticamente as páginas da pasta em busca desta narrativa. Após algum tempo, localizo uma folha sem data, na qual leio: O documento parábola. O DOCUMENTO Parábola Levou a vida toda decifrando um documento. Cinquenta anos em cima do documento. O ancião olha o rosto no espelho, acaricia os cabelos brancos. Mas há duas imagens que despertam minha atenção e sobre as quais gostaria de me deter um instante. De um lado, o texto ilegível, que o leitor não consegue fazer falar, pesadelo materializado de todo leitor e pesquisador principalmente o que lida com arquivos, literários ou não. De outro, um leitor não identificado que dedica sua vida a decifrar algo que lhe escapa à compreensão. Apesar dos esforços, o teor do documento permanece indevassável a seus e nossos olhos. Mesmo diante do fim próximo, ele persiste na tarefa de perscrutar, nos intervalos entre as palavras, os sentidos que se alojam no silêncio da página. No entanto, a que narrativa este documento se vincularia? Será que o escritor estaria a questionar a decifração como modalidade de leitura? Ou, ao dramatizar o gesto da leitura no texto, estaria propondo uma teoria ou alegoria sobre sua própria escrita? Com receio de me esquecer de tantas questões, tomo nota de todas e prossigo com as explorações. Diante das possibilidades interpretativas que a decifração deste mistério poderia abrir , leio a página outra vez, palavra por palavra. Ao passo que o olho se acomoda, as poucas rasuras presentes na folha me interpelam o olhar, sacudindo-o. Incomodado pelos abalos, que inquietam a leitura, viro a página. Para meu espanto, vejo que no avesso trama do bordado? O mistério Devia ser uma coisa sutil. Somente a mim incomodava não decifrá-la. Tinha que ser mistério apenas para mim. Cada vez mais atordoado pelo mal do arquivo, passo em revista os indícios que coletei até o momento, a fim de organizar minhas reflexões. Em comum, estes textos apresentam duas cenas de leitura que têm, por objeto, algo ilegível. No primeiro, a leitura se repete sem se concluir, como se a inscrição no papel fosse portadora de significados abertos e ocultos ao modo das parábolas bíblicas, tão caras ao escritor ou, ainda, como se a trama, aparentemente fechada e calculada, apenas indicasse, paradoxalmente, a lógica de um mundo precário — o nosso ou aquele das ficções de Rubião? Tomado de assalto pelos enigmas de meu próprio texto, sinto algo se aproximar — seria o ilegível a partir do qual se move a poética do escritor? Súbito, hipóteses se esboçam. Poderíamos dizer que as parábolas configuram teorias sobre a leitura literária? Ou seriam estas narrativas rubianas figurações de sua escrita, um esforço de refletir acerca de sua linguagem por meio da própria ficção? Qual seria a atualidade, para os estudos literários, destes fantasmas do escritor, da obra, do leitor etc. Talvez… 2ª cena — destinerrâncias, ou quando se mapeia a escuta É provável que quanto mais avançarmos, menos teremos uma visão geral Manguel; Guadalupi, 2003, p. Enquanto caminho, reflito acerca da impossibilidade de solver os enigmas e espectros da criação que se insinuam nos arquivos literários. Mas outra dúvida penetra meus pensamentos: como dar a ler esta experiência de escrever a escuta? O mapa do início já não seria suficiente, pois apenas ofereceria uma representação sem vida do espaço literário, sugerindo algo semelhante a um mapa que poderia indicar, a quem o lesse, algo semelhante aos rumos de uma caça a tesouros e não se trata disso. À medida que a saída da página se aproxima, uma imagem se esboça — a de uma carta náutica. Sim, um mapa destinado não a orientar, mas a conduzir à errância no labirinto de inscrições e vozes de que cada documento ou obra se faz. E com tais palavras, saio, tendo o cuidado de não cerrar as portas do arquivo e do texto. Pesquisador do Núcleo de Estudos dos Acervos de Escritores Mineiros, da FALE-UFMG. Publicou, como organizador, os livros Leite criôlo: edição fac-símile 2012 , Em defesa do patrimônio: correspondência entre Manoel José de Paiva Júnior e Rodrigo Melo Franco de Andrade 2013. Sobre a dificuldade de ler. São Paulo: Editora Bregantini, 2013. Acesso em: 18 set. A casa do girassol vermelho. Posfácio de Sérgio Alcides. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. ALENCAR, João Nilson Pereira de. O corpo mutilado do arquivo. Suplemento Literário de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. ALENCAR, João Nilson Pereira de. Arquivo — Máquina de des montar. Belo Horizonte: UFMG, 2013. Trabalho de conclusão Pós-Doutorado em Estudos Literários — Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. BORDINI, Maria da Glória. Acervos de escritores e o descentramento da história da literatura. O Eixo e a Roda, v. Rituais do discurso crítico. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2005. Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. Entre o cristal e a chama: ensaios sobre o leitor. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. CURY, Maria Zilda Ferreira. A biblioteca como metáfora. In: SOUZA, Eneida Maria de; MIRANDA, Wander Melo; CARVALHO, Abigail de Oliveira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992, p. CURY, Maria Zilda Ferreira. A pesquisa em acervos e o remanejamento da critica. Manuscritica, São Paulo: APML, v. CURY, Maria Zilda Ferreira. Acervos: gênese de uma nova crítica. MIRANDA, Wander Melo Org. A trama do arquivo. Espectros de Marx: o Estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Tradução de Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Tradução de Cláudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001. 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Belo Horizonte: Autêntica, 2008. ROCHA, João Cezar de Castro Org. Roger Chartier — a força das representações: história e ficção. Chapecó, SC; Argos, 2011. Posfácio de Vera Lúcia Andrade. São Paulo: Editora Ática, 1998. SOUZA, Eneida Maria de. Revista Scripta, Belo Horizonte, v. SOUZA, Eneida Maria de. Janelas indiscretas: ensaios de crítica biográfica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. Material iconográfico consultado BAX, Petrônio. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Iconografia — Subsérie Quadros. Acervo de Escritores Mineiros — Centro de Estudos Literários e Culturais. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Iconografia — Subsérie Quadros. Acervo de Escritores Mineiros — Centro de Estudos Literários e Culturais. Fontes primárias consultadas RUBIÃO, Murilo. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Produção intelectual do titular. Pasta Anotações antigas para contos improváveis. Acervo de Escritores Mineiros — Centro de Estudos Literários e Culturais. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Produção intelectual do titular. Pasta Anotações antigas para contos improváveis. Acervo de Escritores Mineiros — Centro de Estudos Literários e Culturais. Notas Para uma relação dos discursos a partir dos quais se constrói e com que este texto estabelece diálogos, consultar as referências, ao fim deste texto. Siglas de Acervo Murilo Rubão, Acervo de Escritores Mineiros, Centro de Estudos Literários e Culturais, Universidade Federal de Minas Gerais. Série Produção intelectual do titular. Pasta Anotações antigas para contos improváveis. Acervo de Escritores Mineiros — Centro de Estudos Literários e Culturais. Os trechos entre colchetes visam a transcrever as rasuras, tal como presentes no manuscrito. Quanto às marcações em itálico, estas são de minha autoria. Série Produção intelectual do titular. Pasta Anotações antigas para contos improváveis. Acervo de Escritores Mineiros — Centro de Estudos Literários e Culturais. Quanto às marcações em itálico, estas são de minha autoria. Posted in , , Resumo: Este artigo propõe reconhecer a condição de novela-arquivo em La sobreviviente 1951 de Clara Silva. Estudam-se as distintas modalidades que a ficcionalização do arquivo adota na trama narrativa, para então valorizar sua condição como estratégia de ingresso no sistema literário da região latino-americana, até o momento fechado à escrita narrativa das mulheres. Palavras-chave: Narrativa latino-americana; arquivo ficcional; mulher; estratégia de ingresso. Resumen: Este artículo propone reconocer la condición de novela-archivo en La sobreviviente 1951 de Clara Silva. Se estudian las distintas modalidades que adopta la ficcionalización del archivo en la trama narrativa, para luego valorar su condición como estrategia de ingreso al sistema literario de la región sur latinoamericana, hasta el momento cerrado a la escritura narrativa de las mujeres. Palabras-clave: Narrativa latinoamericana; archivo ficcional; mujer; estrategia de ingreso. La sobreviviente fue la primera novela publicada por Clara Silva 1902-1976 , en 1951. La publicó el sello editorial argentino Botella al mar. Si bien es cierto que la historia de la literatura uruguaya no guarda un recuerdo significativo de esta ópera prima, su estudio crítico y genético puede arrojar luz sobre los modos de articulación y ficcionalización de los archivos latinoamericanos y europeos. Y también sobre la constitución de esta ficcionalización en una estrategia de ingreso al sistema literario por parte de la novela escrita por mujeres. Tapa de la segunda edición de La Sobreviviente 1966. En este sentido, inaugura un tipo de novela que se constituye en ficción de su propio proceso genésico. Tanto sus versiones éditas como el amplio dossier genético que gira a su alrededor, permiten reconstruir un proceso en el que cuentan significativamente las marcas intertextuales, que revelan fuentes y conexiones con otros archivos transoceánicos, en un movimiento típico de la literatura latinoamericana. Esta vocación metanarrativa materializada en la ficcionalización del archivo de La sobreviviente se relaciona a su vez con aspectos autobiográficos de la autora, tales como su experiencia de investigadora en el Instituto Nacional de Investigaciones y Archivos Literarios, fundado en 1948, y que a partir de 1965 pasó a ser el Departamento de Investigaciones de la Biblioteca Nacional de Uruguay. O su condición de esposa del fundador de la crítica literaria nacional, Alberto Zum Felde 1887-1976 , así como sus amistades literarias, entre las que se destaca la de Guillermo de Torre 1900-1971 , con quien mantuvo una larga amistad signada por la influencia que tuvo en su quehacer literario, de la que da cuenta un epistolario que se extiende en un periodo de más de veinte años. También su papel de gestora cultural que la posicionó como presidenta de la Sociedad Amigos del Arte, como conferencista y crítica literaria. Pero más allá de estas posibles causalidades, pesa el perfil de una escritura doblemente periférica, por ser latinoamericana y femenina, que obliga al doble movimiento de escritura y reflexión para la comprensión y constitución de la propia identidad escritural. Dicho perfil también conecta con el rasgo constitutivo del sistema latinoamericano vinculado a las redes literarias, cuya convergencia con el contexto explica el modus operandi de su archivo Maíz, Fernández Bravo, 2009. La novela se centra en su protagonista, Laura Medina, que es mostrada desde el interior de su conciencia. Laura Medina sostiene un duelo interno con la otra Laura, un personaje que encarna la idea de que existen otras posibilidades para el ser del personaje y su desarrollo de vida en la novela, recordando el reproche hecho por Sartre a Mauriac, a quien el primero acusaba de que sus personajes no fueran libres sino determinados de antemano por el novelista. Una mujer que afrontara la vida, con sus sentidos claros, sanos. Con la responsabilidad activa de sí mismo, dentro de su tiempo. Con todos Silva, 1966, p. De acuerdo a una lógica de duplicación, es posible leer en esta novela la trama de la génesis del personaje y la trama de la génesis de la escritura; la primera a través de la ficcionalización del conflicto entre la existencia de dos posibilidades de identidad para la protagonista; la segunda, a través de la ficcionalización del archivo literario con el que se vincula la novela. Y entre ambas tramas un puente ficcional que permite entrever los entretelones del proceso escritural. Es así que en el pasaje de la primera a la segunda edición de La sobreviviente, se observa la misma tendencia que en el carácter contradictorio de los dos personajes de Laura Medina, porque la segunda edición borra muchas de las marcas que fueron leídas como signo de egocentrismo autobiográfico, bajo la presión de la crítica literaria uruguaya del 45, que no entendió a esta novela en su diálogo con la vertiente beauvoiriana del existencialismo francés. Un importante número de documentos de la Colección Clara Silva custodiada en el Archivo Literario del Departamento de Investigaciones de la BNU revela la relación estrecha que ella mantuvo con el existencialismo francés y muy especialmente con Simone de Beauvoir. Entre ellos destacan los que refieren a su lectura de Valoración literaria del existencialismo 1948 , de Guillermo de Torre. Y los que refieren directamente a Simone de Beauvoir: una dedicatoria inédita en el manuscrito de La sobreviviente, una carta de Clara a Simone y dos respuestas de esta última. Esa vida bien puede ser la mía. Con sinceridad, sin miedo, allí desfilarán muchas cosas: infancia, amores, viajes, alegorías; con un lenguaje de ensueño y de realidad, no solo de realidad objetiva sino de palabras, haré la radiografía existencial de un ser, su actitud frente a la vida y a sí misma. La ficcionalización de todos estos elementos revela una modalidad de relacionamiento de la novela con el archivo literario privado y público, caracterizada por la autoreflexividad y la autorepresentación. Dos rasgos que acompañan a la literatura latinoamericana desde sus inicios, en razón de su lucha por la memoria y la identidad, puestas en riesgo a partir de la imposición de la cultura eurocéntrica. Esta última no solo fue un centro de poder impuesto desde la conquista sino también, un centro de magnetismo irresistible para el escritor latinoamericano y todas las lógicas de duplicación atienden a la imagen primigenia del escritor con el archivo europeo en la mano. Las citas literarias, las postales europeas, las cartas, los registros de autores y libros que integran la trama ficcional de La sobreviviente forman parte de un archivo literario que es sin duda el que poseía Clara Silva en los años 1948 y 49, cuando escribió su primera novela. Por otra parte, si toda novela es parte a su vez de un archivo mayor, en este caso el matiz está en que sus elementos han sido ficcionalizados desde el momento en que pasan a formar parte de la trama del relato como elementos diferenciados e identificados. Esta estructura semejante a un confuso palimpsesto generó la crítica adversa de los críticos del 45, que señaló la mala asimilación de sus referencias literarias, al tiempo que su exceso de intelectualismo. Sin embargo, la lectura crítica y genética de la novela da cuenta de un principio de convergencia de la vida y la obra literaria, propia de la concepción existencialista, que justifica dicha estructura. Este palimpsesto está ficcionalizado ya que desde el comienzo del relato queda claro que el archivo literario que recorre sus páginas forma parte de la vida del personaje central, Laura Medina. La presencia de algún ser mágico, el claro y ardiente equilibrio de un alma. En este principio de convergencia también alienta la idea de que la literatura puede sustituir a la vida, de que vale más la pena el mundo de la ficción que el adverso mundo real, o si se quiere aún más, que este último también se escribe y se crea como si fuera un libro. En este punto vale la pena recordar la propuesta de Sartre y Simone de Beauvoir referida a que una vida es un proyecto que debe ser construido y moldeado desde la libertad, como una obra literaria. En estos tres capítulos, diferenciados tipográficamente por la letra cursiva, se presenta un segundo nivel de ficción que representa el mundo literario, un paso más allá del resto de los capítulos que representan el mundo real. Aquí se instala el conflicto de la novela en el que las antagonistas son dos versiones opuestas de Laura Medina, una centrada en su yo y la otra en el mundo, una regida por el vacío y la angustia existencial y la otra por la fe y el amor al prójimo. Mientras que la primera ocupa el lugar protagónico en el primer nivel de ficción, la otra emerge en estos tres capítulos del segundo nivel de ficción para decir su disconformidad y luchar por sustituir a su par, cosa que consigue en el final a través de una transformación imprevista, que acontece al modo de una decisión libre, como pedían los existencialistas para el diseño de cada vida humana. Sin duda, detrás de esta ficcionalización del perfil y del destino de esta protagonista está el problema de la identidad de la mujer y de la escritora. Una identidad que se entiende también como construcción personal, pero a través de la escritura. De modo que en este perfil y destino intervienen los libros y sus autores, el archivo. Una casa y un jardín artificiales. Y en ella los autores y personajes que conforman el archivo literario que se desliza por las páginas de La sobreviviente, dando identidad a su personaje: Baudelaire, Elena Mutti, Albertina, Mme. Aparecen en el salón en sus actitudes y ropajes característicos, viviendo hasta comenzar a desvanecerse en corrientes de niebla, que comportan y expresan su naturaleza ficcional. La traza de la ficcionalización del archivo funciona en base a una impronta de teatralidad, donde la visualidad intensifica su naturaleza ficticia. A su vez, dicha traza se ve fortalecida por la mezcla, dentro del mismo estamento ficcional, de autores y personajes. Personajes femeninos del canon europeo creados por escritores hombres. En esta muestra del archivo literario ficcional de La sobreviviente, no ingresan los nombres de escritoras mujeres, salvo el de Virginia Woolf, que se hace presente, elípticamente, a través del personaje andrógino de Orlando-Orlanda. Desde el punto de vista temporal los personajes y autores convocados se ubican entre la segunda mitad del siglo XIX y las primeras décadas del siglo XX. Como es de uso el archivo se cierra para los autores coetáneos, como sucede con la casa de la novela. Los referentes literarios directos de La Sobreviviente, Simone de Beauvoir, Sartre y Henry Miller, sobre el que volveremos, no ingresan en este archivo ficcional y quedan en los entretelones de la trama argumental, sutilmente relacionados a través de citas sin fuente a la vista o de relaciones de intertextualidad, que solo pueden ser advertidas por lectores especializados. El rasgo de la hermética clausura de la casa y del archivo ficcional que representa, se destaca nuevamente en el momento en que la narración se enfoca, dentro del mismo capítulo, en la instancia en que el personaje de Laura Medina relata cómo ingresó finalmente a la casa, a través de un espejo: Empecé por ser sólo una mancha pálida en la superficie del espejo. Al principio nadie se fijaba en mí. Pero como me interponía entre la imagen y el espejo, intentaron sacarme. Pero yo persistía agrandándome. No querían admitirme; pero al fin comprendieron que yo era un punto de contacto con la vida, la condensación necesaria en una forma. Entonces me dieron el aliento. Y de todos los sueños y de todas las sensaciones y de todos los movimientos, una sensación, un sueño, un tacto, un cuerpo y sus asuntos; y un alma náufraga y desgarrada Silva, 1966, p. De modo que se explicita la dificultad para ingresar al archivo pero también se revela que la clave que franquea el paso es el contacto del personaje con la vida. Con lo que queda ficcionalmente planteada la presentación del archivo literario, su funcionamiento y la fuerza que según la concepción estética de la autora, permite la entrada al sistema. Una fuerza que se centra en la relación de la literatura y la vida, tal como fue expuesta por los escritores existencialistas franceses de su época, y que estuvo presente como principio rector, en la obra de Clara Silva, desde su primer libro de poesía La cabellera oscura 1945. La ficcionalización del archivo literario constituye un hilo narrativo que recorre toda la novela, con la diferencia de que en el primer nivel de ficción los registros carecen de la teatralidad aludida en los capítulos del segundo nivel. En este primer nivel siempre se dan al modo del registro de títulos de libros y autores o de citas literarias y la diferencia entre ambas modalidades, radica en el reconocimiento explícito de la autoría, que redunda en la canonización del creador. Y desde ya es necesario advertir que en este punto Clara Silva recoge la visión del archivo literario de su época y que por tanto en su novela los canonizados son los que también lo eran fuera de ella. Las citas, las más de las veces, suelen aparecer sin su fuente y si no se trata de pasajes muy conocidos de la literatura bíblica, quedan formando parte de un discurso coral carente de reconocimientos individuales. A través de un primer plano del registro de títulos y autores se observa que surgen aislados en relación con las acciones o recuerdos de la protagonista o según el procedimiento de las enumeraciones extensas. Ambos registros tienen una filiación autobiográfica, según la documentación probatoria de la predilección de Clara Silva por la obra de Proust y también de su asistencia a la Escuela Urbana Nº 20, radicada en el Archivo Literario de la Biblioteca Nacional de Uruguay. Por el contrario, las enumeraciones extensas de títulos de libros y autores mantienen una relación más estrecha con el archivo público, medianamente lejos de lo autobiográfico. Desaparecían los libros entre los libros. Tres por 10 pesos… A elegir … Nunca se había traducido, se había impreso tanto, con esta inquietud vertiginosa. Una enumeración que aporta a través del título Por siempre ámbar 1944 , la presencia indirecta de una escritora estadounidense coetánea de Clara Silva, que no se nombra en La sobreviviente, y cuya identidad es Kathleen Winsor 1919-2003. La novela había sido prohibida en catorce estados de su país, en razón de las escenas sexuales explícitas que presentaba sin ningún tipo de encubrimiento al lector y en los cuatro o cinco años que distaban entre su publicación y la redacción del relato de la uruguaya, seguía siendo un referente encubierto pero referente al fin, en lo que hace a la escritura del sexo que en su momento se consideró pornográfico. Los autores del archivo que se filtran desde el contexto de La sobreviviente a su trama participan en el conflicto de la novela, que encarnan los dos yoes del personaje Laura Medina. A modo de muestra basta leer la lista de autores que la mitad reprimida de la protagonista demoniza: Desde la infancia, más aún, desde la sombra de la placenta, me fueron infiltrando el virus amargo de la disconformidad … Falsificando la vida. Baudelaire, Nietzsche, Proust, Barbusse, Joyce, Gide, Huxley… Tantos. Los quemaría en una hoguera, por crueles, por pérfidos, por destructores… Silva, 1966, p. El nombre del autor de la biografía Mahatma Gandhi 1923 , Premio Nobel e ícono del pacifismo y amor universal, divide las aguas del archivo de La sobreviviente, formando parte del conflicto. A través de este procedimiento se consigue presentar el archivo que ha entrado en el imaginario del personaje, desde su momento histórico: Neruda, Stokovsky, De Gaulle, Stalin, Elizabeth Arden, Gabriela Mistral, el rey Gustavo, Bergamín, Ramón Gómez de la Serna, Churchill, Chaplin, Rita Hayworth, Maritain, Gandhi, Gérard Philipe, aparecen junto a personajes de la novela como el amigo que le traía noticias de Dios y Mariusa Silva, 1966, p. Una vez más la sola presencia de Gabriela Mistral comparece en representación de las escritoras latinoamericanas, siendo indicio de la dificultad de la mujer a la hora de ingresar al sistema literario de una sociedad que sigue resistiendo desde convenciones patriarcales. Un autor presente en el archivo de La sobreviviente, pero que recibe tratamiento de ingreso a través de la cita de sus pasajes y no de su reconocimiento identitario, es Henry Miller 1891-1980. El denominador común es que ninguno de los dos autores tan estrechamente ligados a la novela de Clara Silva se reconoce a través de una identificación nominal explícita. Uno de los ejes que relaciona a Trópico de Capricornio con La sobreviviente es el relacionamiento de vida y obra. Y con el mismo sentido que supera los límites de lo autobiográfico, para acceder a la representación del ser en el mundo. Más allá de las distancias, es sabida la atención que prestaban por entonces Jean Paul Sartre y Simone de Beauvoir a la literatura norteamericana, de la que explícitamente el primero se reconoce deudor. El exceso de individualismo lleva en ambas novelas a observar el mundo moderno desde una distancia marginal y solitaria. Una característica que también lleva a ambos textos a abundar en marcas personales, que van desde formulaciones pronominales a actitudes francamente amorales, en lo que hace a la relación con el prójimo. La transgresión de los límites en lo que refiere al tema del sexo es otro rasgo que acerca a las obras de estos autores, sin querer por esto asimilar a La sobreviviente a las escenas obviamente más obscenas de Miller, pero que enfrentan las escenas sexuales frontalmente y sin el problema de la culpa. Otro aspecto del diálogo de Clara Silva con Miller atañe a la ciudad moderna que los protagonistas observan en sus traslados o peregrinajes de flâneur, con el sentimiento inhóspito del que transita por mundos infernales. Paseos que en La sobreviviente cada tanto ofrecen una fuga hacia un pasado que se afinca en las postales europeas que trascienden el tiempo y la muerte, pero que en Trópico de Capricornio no ofrecen ningún tipo de liberación. Se trata de novelas urbanas que presentan los lugares de trabajo de los protagonistas como metáforas de la sociedad moderna, donde se cosifica la vida de los hombres, al punto que solo cuentan como nombres que entran y salen en registros de empleo o de cadáveres. Las dos novelas también comparten un estilo lírico, que en el caso de La sobreviviente fue visto por los críticos del 45 como una falta al objetivismo del género novelístico. Las isotopías del relato proceden sin duda del discurso lírico en el que Clara Silva fortaleció su instrumento en el inicio de su carrera. El fragmentarismo, el discurso onírico, el flujo de la conciencia, la no linealidad temporal son rasgos que se observan en la estructura del relato y que conectan con la traza lírica de sus dos primeros libros de poesía — La cabellera oscura y Memorias de la nada —, además de hacerlo con la novela de su tiempo. Finalmente, la punta del iceberg del diálogo de La sobreviviente con Trópico de Capricornio está conformada por las citas que ingresan en la primera novela desde la segunda, en su versión francesa. Citar a través de una edición francesa a Trópico de Capricornio, no solo revela la proximidad de Clara Silva con esa lengua y su cultura, sino también la convergencia del texto de Miller con los libros de los existencialistas franceses, que se daba dentro de su zona de lectura. Allí reposaba del vacío dinamismo de las ciudades el hijo de la época, en una regresión infra-humana a fuerza de civilización. Y sin embargo, la imagen del laberinto oscuro y subterráneo representa en ambas novelas a un mundo regido por los instintos y entre ellos de manera central, por el sexo. La misma imagen del laberinto oscuro y subterráneo se constituye en metáfora de la novela de Clara Silva, que se presenta como archivo ficcional, cuyo corpus también adquiere el valor semántico de un cuerpo, en el que la pulsión sexual transgrede la frontera que separa el límite textual de su contexto literario y cultural. Antes que Roland Barthes teorizara sobre la muerte del autor en 1967, Clara Silva presenta su novela archivo como tejido de citas, en que su discurso se mezcla con el de sus intertextos y en el que su figura de autora renuncia a la individualidad al ingresar en el colectivo. El final de La sobreviviente ficcionaliza esa renuncia a la posesión individual del texto y en este sentido, una vez más, Laura Medina funciona como alter ego que elige su destino de pérdida identitaria. Clara Silva dio otro aporte al problemático tema de la frontera flexible de la literatura y la vida, a través de la portada de la segunda edición de La sobreviviente, en la que presenta una foto que la retrata de espaldas y cuya identidad solo puede ser descubierta al investigar en su archivo fotográfico personal. Dicha foto forma parte de una serie donde el cambio de postura permite el encuentro con el rostro de la escritora. Archivo Literario de la Biblioteca Nacional de Uruguay. La cuestión de la sobrevivencia no es ajena a la ficcionalización del archivo literario en esta novela ya que cumple la función estratégica de configurar el ingreso al sistema literario, constituyéndose en otro mecanismo de autorepresentación. La configuración de un sujeto de escritora invisible en el sistema-archivo de la época concede a la literatura un poder genésico. Ambiguamente Laura Medina ha transitado por las páginas de la novela, entre personajes inmortales, para luego desaparecer entre la multitud como acontece cuando se cierra un libro. Sin embargo, el personaje sobrevive en la casa de la ficción a la cual entró con la fuerza que le fue dada por su contacto con la vida. Sin duda, la trayectoria de Clara Silva a través del mundo de la poesía y la literatura en general, explica su discurso metaficcional centrado en la pluralidad de voces de autores, lectores y personajes. Todos ellos constructores de esta obra abierta, que a partir de la renuncia del autor, asegura su sobrevivencia. Pero no debería olvidarse que este desdibujamiento identitario, diseñado desde la textura múltiple de la novela archivo y desde la trama también plural de la génesis del personaje central, tiene una raíz más profunda que se asienta en el lugar de la mujer escritora que no ha sido aún aceptada dentro de la casa cerrada del sistema literario de la región sur latinoamericana. Una situación que la obliga a deambular en la invisibilidad por los márgenes del sistema-archivo adoptando diferentes máscaras y estrategias, sin el lugar fijo de un autor en posesión de su territorio escritural. Esta fue la cuestión que Emir Rodríguez Monegal, el primer crítico que abrió fuego sobre La sobreviviente, no quiso considerar, por entender que quedaba fuera del límite de la literatura. Pero quizá no convenga examinar estos elementos; ellos pertenecen más a la crónica de nuestra historia literaria que a la literatura misma. Más vale dejarlos a consideración de algún historiador futuro, si lo hay Rodríguez Monegal, Marcha, 630, p. Última publicación: Las poetas fundacionales del Cono Sur. Aportes teóricos a la literatura latinoamericana 2013. El presente artículo es un adelanto del libro Archivos ficcionales: La sobreviviente, de Clara Silva. Edición crítica y genética, en prensa. Actas del Primer Encuentro de Literatura Uruguaya de Mujeres. Montevideo: Banda Oriental, 2005, p. La aventura de la filosofía francesa. Buenos Aires: Eterna Cadencia Editora, 2013. La muerte del autor 1967 , en: El susurro del lenguaje: Más allá de la palabra de la escritura. Traducción de Silvina Bullrich. Literatura uruguaya siglo XX. Buenos Aires: Paidós, 2000. Archivo Literario de la Biblioteca Nacional de Uruguay. COLECCIÓN GUILLERMO DE TORRE. Biblioteca Nacional de España. COLECCIÓN MARÍA CONCEPCIÓN SILVA BÉLINZON. Biblioteca Nacional de Uruguay. DA ROSA, Juan Justino. Tomo I: La narrativa de medio siglo. Montevideo: Banda Oriental, 1996, p. Buenos Aires: Planeta, 1992. London and New York: Methuen, 1986. MAÍZ, Claudio, FERNÁDEZ BRAVO, Álvaro Ed. Estudios en la formación de redes culturales en América Latina. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2009. Montevideo: Biblioteca Nacional, 2014. Las poetas fundacionales del Cono Sur. Aportes teóricos a la literatura latinoamericana. Montevideo: Biblioteca Nacional, 2013. Buenos Aires: Editorial Nova, 1945. Memoria de la nada. Buenos Aires: Editorial Nova, 1948. El alma y los perros. Aviso a la población. Valoración literaria del existencialismo. Buenos Aires: Editorial Ollantay, 1948. Notas Clara Silva nace en Montevideo en 1902 e inicia tardíamente su trayectoria como escritora en 1945, con la publicación del libro de poesía La cabellera oscura. Por este motivo se la ubica dentro de la generación del 45. Por la importancia que tuvo esta amistad literaria en el proceso creativo de La sobreviviente, el epistolario inédito de Guillermo de Torre dirigido a Clara Silva será publicado en la edición crítica y genética: Archivos ficcionales: La sobreviviente, de Clara Silva, de próxima publicación. Se trata de un conjunto de ochenta cartas dirigidas a la autora uruguaya, datado entre 1943 y 1963, que se conserva en el Archivo Literario de la Biblioteca Nacional de Uruguay. Y en Situations I París, 1947. Ambos artículos citados por Guillermo de Torre, en Valoración literaria del existencialismo 1948, p. Estudio en profundidad la relación de La sobreviviente y L´Invitée de Simone de Beauvoir, en el libro Archivos ficcionales: La sobreviviente, de Clara Silva, de próxima publicación. Colección Guillermo de Torre. Biblioteca Nacional de España. Alone es el seudónimo de Hernán Díaz Arrieta 1891-1984. Gabriela Mistral 1889-1957 fue la primera escritora latinoamericana en ganar el Premio Nobel, en 1945. El toro sagrado de la mitología egipcia. Cito por la traducción de Cátedra: 1996, p. Las tres oraciones de esta cita en francés no están registradas en relación de continuidad en la novela Trópico de Capricornio 1996, p. En este punto la escritura de mujeres latinoamericanas se adelanta al concepto que emerge en los años sesenta. London and New York: Methuen, 1986, p. Posted in , , Resumo: Este texto tem como objetivo transportar o conceito de sobrevivência do historiador de arte Aby Warburg 1866-1929 para o espaço literário, em que se valoriza a inserção de formas do passado no presente, por meio da estratégia de rompimento do modelo de temporalidade cronológica, articulado como começo e fim, declínio e progresso. O ato de escrita se configura como ato de leitura da experiência autobiográfica, por meio da transposição ficcional aí processada, o que resulta nos gestos relativos à superação e ao suplemento da vida e à condensação de tempos heterogêneos. Palavras-chave: Jacques Derrida; Aby Warburg; arquivo; Silviano Santiago. The said concept valorizes the insertion of past forms into the present by means of strategies of rupture with the model of chronological temporality, which is predicated on the notion of start and finish, decline and progress. The act of writing is effected as an act of reading of the autobiographical experience by means of the fictional transposition processed therein, which results in the gestures pertaining to superseding and supplementing life and to the condensation of heterogeneous times. Keywords: Jacques Derrida; Aby Warburg; archive; Silviano Santiago. A grande fantasia … é que todos esses papéis, livros ou textos, ou disquetes, já me sobrevivem. Trata-se de um recado que assinala sua sobrevivência tanto como leitor quanto como escritor, na esperança de ser lido por gerações futuras que irão revitalizar sua escrita e possibilitar a permanência do traço e da assinatura autoral. Mesmo antes da morte física, o desejo de sobrevivência do escritor diante do legado intelectual já se apresenta como projeto fantasista de perpetuar-se para além da morte. Com esse raciocínio, a dimensão temporal da existência — e do arquivo — rompe com as oposições entre antes e depois, entre vida e morte, pelo aspecto anacrônico conferido às categorias relativas ao passado e ao futuro. Se, no pensamento de Derrida, o arquivo não trata do passado, mas é questão de futuro, na ação do arquivista em selecionar o que é preciso guardar, corre-se sempre o risco de se estar violentando algo, destruindo o que deveria permanecer arquivado. A própria noção de futuro precisa ser redimensionada no vocabulário de Derrida, à medida que se descarta a divisão temporal entre os períodos, contaminados pela sobrevivência simultânea de passado, presente e futuro. O arquivo poderia ser entendido, igualmente, na linha semântica da sobrevivência, como espectral, por se situar entre a vida e a morte, o visível e o invisível, o real e o ficcional. Espectro que se sustenta pelo paradoxo, por se caracterizar além do presente, sempre por vir, sem se prender às instâncias de passado e futuro. Situa-se no limiar do acontecimento, aparecendo e desaparecendo no momento de sua aparição. Heterogêneo, intempestivo e deslocado em relação ao presente, o tempo do espectro, como da sobrevivência, legitima a existência da leitura como gesto em contínua transformação. Os rastros de Derrida no seu arquivo, a herança legada aos leitores e seguidores de sua obra se constituem como desafio à prática desconstrutora, no sentido de se levar em consideração que no processo de revitalização da escrita exige-se também o deslocamento de saberes instituídos. Cito a passagem de Pensar em não ver, livro de entrevistas feitas com Derrida e publicado pela Editora da UFSC: Quanto a mim, posso morrer a cada instante, o rastro fica aí. O corte está aí. É uma parte nos dois sentidos do termo: ela procede, ela emana de mim, mas ao mesmo tempo separando-se, cortando-se, desligando-se de mim. É aí que há rastros e há começo de arquivos. Nem todo rastro é um arquivo, mas não há arquivo sem rastro. Portanto, o rastro, isso sempre parte de mim e sempre se separa Derrida, 2012, p. Percebe-se a associação realizada pelo filósofo entre sobrevivência, rastro e espectro, por constituírem o movimento anacrônico da origem, o ir e vir de acontecimentos que não cessam de deslocar lugares e de incentivar o distanciamento do sujeito perante si próprio. Nesse gesto sobrevivente deixado pelo rastro, o sentido de pós-vida ressurge na sua caracterização espectral, como um fantasma, por mobilizar vida e morte como instâncias inseparáveis. Estanca-se a vida e a morte, num processo simultâneo de sobrevivência, em que se apaga a noção de fim último das formas, assim como se desloca o suposto início dos acontecimentos. Se a vida refere-se ao início, a morte, ao fim, é preciso embaralhar e anacronizar passado e futuro. Palavras, textos, traços desse arquivo exposto à visitação insurgem no presente da leitura efetuada por futuros estudiosos da obra de Derrida. Em resumo, essa proposta de leitura desconstrutora deveria obedecer a determinados princípios inaugurados por uma geração de pensadores que desestabilizaram a compreensão positivista dos saberes e a prisão à ordem sucessiva do tempo. Uma homenagem feita por um de seus amigos por ocasião de seu falecimento ressalta essa preocupação em seus escritos, por considerar a morte mola propulsora da própria vida e vive-versa. Não haveria, portanto, razão para celebrar o fim do filósofo, uma vez que sua escrita já anunciava esta ausência como forma de sobrevivência e não de desaparecimento total. Como a escrita, o legado de Derrida funciona como esta meia-presença, comparável ao espectro, à lembrança, ao texto escrito. Nas palavras de Charles Ramond, no texto em homenagem a Derrida, todo texto escrito tem valor testamentário, o que redimensiona a morte para além de sua natureza puramente factual. Como historiador da arte, sua preocupação é menos existencialista e mais metodológica e epistemológica, uma vez que se insurge contra o conceito evolucionista da história, a qual se desloca para a compreensão heterogênea e intervalar dos períodos e das hierarquias culturais. Para Derrida, o conceito de sobrevivência respondia por uma indagação filosófica da existência, ampliando-se para a construção da obra como legado espectral, a partir da ponte entre obra e vida, justapondo morte e vida. A reflexão de ambos, no entanto, se apresenta em concordância, no sentido de apontar a importância da concepção de arquivo como sobrevivência e do aspecto anárquico, heterogêneo e fantasmal de saberes que resistem ao tempo e se insurgem, intempestivamente, no nosso presente. Contemporâneo de Nietzsche, Warburg comungou com o filósofo a concepção da arte como potência e força vital, como reflexão sobre o tempo histórico desprovido de seu aspecto positivista e historicista. O intempestivo, em Nietzsche, aproxima-se do conceito de sobrevivência e de devir, por remeter ao ato de agir contra o tempo, levando em conta o gesto de estranheza temporal. É necessário acrescentar que um dos leitores principais de Warburg, o filósofo e historiador da arte Didi-Huberman, desenvolve o conceito de sobrevivência Nachleben segundo o trabalho realizado pelo teórico alemão das formas artísticas do Renascimento como revitalização de formas da Antiguidade Clássica. Seu pensamento põe em dúvida a consideração do passado como letra morta, desprovido de força, por estar constantemente emergindo no presente. Os rastros no arquivo de cada época passam a ser citados em momentos distintos, movimento de resistência à noção conservadora de tradição, influência e herança. Rompida a cadeia linear na recepção desses conceitos, elimina-se a certeza de que o que vem depois seria influenciado pelo que veio antes, ou que o progresso cultural dependeria de novas descobertas do presente. A crítica literária há muito tem se desvencilhado dos preconceitos de ordem evolutiva, por não considerar a morte das teorias e seu desaparecimento como condição de seu abandono, desuso ou finitude. Essa posição investe na releitura do presente como meio de apontar o que ainda merece ser reintroduzido como reflexão na contemporaneidade. Torna-se evidente, contudo, a dependência que a academia tem dos manuais escolares com os quais os atuais e futuros professores irão ter de conviver, como a prisão aos estilos de época, a continuidade histórica se instalando como força evolutiva e o emprego da noção de influência como condição de fidelidade a modelos culturais hegemônicos. A construção do arquivo de Warburg — uma biblioteca com 60 mil volumes e um atlas de imagens intitulado Mnemosyne — contracena com o de Derrida, desta vez por ser dotado, diferentemente, de obras de diversas disciplinas e de conceber um atlas na forma de montagem heterogênea de fotos de peças artísticas e de outra ordem. Em ambos nota-se a preocupação com os deslocamentos dos campos de saber, dos períodos históricos e da ausência de hierarquia dos lugares geográfico-culturais. Ao lado de reproduções de fotos de obras da arte, por ex. Nessa aventura antropológica, o pesquisador se interessa pelo estudo dos índios hopi e dos rituais da serpente entre os índios pueblo. Extrapola, assim, o quadro estetizante da arte e se lança na descoberta de associações entre imagens artísticas da ninfa europeia e da serpente ameríndia, ao condensar a velha Florença com o Novo México. Nessa proposta de construir um determinado saber-montagem, nas palavras de Didi-Huberman, tem-se a abertura para a constituição de um arquivo que aponta as limitações do historiador de arte e acena para as pesquisas pós-colonialistas da atualidade. Essa viagem ao território dos hopi propicia a montagem entre antiguidade, indianidade e cultura popular; embora o pesquisador tenha se pautado pelo encontro de vestígios do Renascimento no universo indígena, recupera sinais de culturas marginalizadas, num gesto de deslocamento do cânone artístico ocidental inaugurado pela cultura europeia. A experiência da alteridade praticada pelos teóricos os quais desenvolveram as concepções de arquivo cultural encontra no escritor brasileiro Silviano Santiago uma de suas manifestações exemplares. Conhecedor da obra de Derrida, tendo sido o divulgador no Brasil de sua teoria, em várias de seus livros, entre eles, Em liberdade, de 1981, se apropria do conceito de suplemento, ao ficcionalizar o suposto diário do intelectual Graciliano Ramos, ao sair da prisão. Trata-se de um procedimento que não consiste em adicionar um texto ao outro, mas em suprir sua falta. O conceito de entre-lugar de 1972 será determinante para o entendimento desse espaço intervalar que desloca e movimenta as heranças literárias, revivendo acontecimentos do passado e reintegrando-os ao presente. Recentemente, em dois artigos publicados no Estado de S. Paulo, no Suplemento Sabático e posteriormente em livro, Aos sábados, pela manhã, Silviano aponta a importância da obra de Warburg para o avanço dos estudos pós-coloniais. Destaca a viagem ao Novo México e recoloca a questão do deslocamento cultural como abertura para reflexões sobre a quebra da hegemonia do pensamento europeu. No artigo citado sobre Warburg, o ensaísta assim se expressa: Warburg importa o Ocidente clássico para fotografar as imagens sacrificiais da dança da chuva no Novo México e no Arizona. Exporta o Novo México e o Arizona para fotografar as imagens artísticas do ocidente dionisíaco e cristão. O bônus — dado de presente por Michelangelo — é a revista à Renascença florentina.

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